CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2022; 57(02): 341-344
DOI: 10.1055/s-0040-1722589
Relato de Caso
Mão

Luxação distal isolada do pisiforme: Relato de caso[*]

Article in several languages: português | English
1   Departamento de Especialidades Cirúrgicas, Unidade Funcional de Ortopedia, Hospital de Cascais – Dr. José de Almeida, Alcabideche, Portugal
,
Teresa Alves-da-Silva
1   Departamento de Especialidades Cirúrgicas, Unidade Funcional de Ortopedia, Hospital de Cascais – Dr. José de Almeida, Alcabideche, Portugal
,
Carlos Martinho
1   Departamento de Especialidades Cirúrgicas, Unidade Funcional de Ortopedia, Hospital de Cascais – Dr. José de Almeida, Alcabideche, Portugal
,
Francisco Guerra-Pinto
1   Departamento de Especialidades Cirúrgicas, Unidade Funcional de Ortopedia, Hospital de Cascais – Dr. José de Almeida, Alcabideche, Portugal
› Author Affiliations
 

Resumo

A luxação isolada do pisiforme é uma lesão rara com poucos casos descritos na literatura. Esse tipo de lesão é observado tipicamente em adultos jovens do sexo masculino e pode ser facilmente negligenciada numa primeira avaliação. A luxação proximal isolada é mais comum devido à ação do flexor ulnar do carpo (FUC).

Apresentamos o caso de um paciente do sexo masculino, com 19 anos de idade, com luxação distal isolada do pisiforme após traumatismo do punho. O paciente foi submetido a uma redução aberta e fixação interna com fios de Kirschner com excelente resultado funcional.

Apesar de não existir um método de tratamento consensual, a redução fechada perfila-se como tratamento de primeira linha na apresentação aguda. Em caso de insucesso ou como método alternativo pode-se optar pela redução aberta ou a excisão do pisiforme.


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Introdução

A luxação do pisiforme é uma patologia rara contando com menos de 30 casos documentados.[1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] A sua localização dentro do tendão do flexor ulnar do carpo (FUC) confere-lhe estabilidade intrínseca, tornando a luxação pouco provável, especialmente sem outras lesões associadas. Com escassos casos descritos na literatura, a abordagem terapêutica ideal ainda não é clara.


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Caso clínico

Apresentamos um paciente do sexo masculino, com 19 anos de idade, com traumatismo da face volar do punho esquerdo durante elevação de um objeto pesado (mobília). A compressão contínua infligida pelo peso do objeto no punho em extensão culminou com o início súbito de dor e discreta incapacidade funcional do punho. Na admissão ao serviço de urgência, o paciente apresentava dor e edema do bordo ulnar do punho e mão esquerdos. Referia discreta limitação da flexão do punho e não mostrava sinais de compromisso neurológico.

A radiografia revelou luxação distal do pisiforme até ao nível do hâmulo do hamato ([Figura 1]). A tomografia computorizada não mostrou quaisquer outras lesões associadas ([Figura 2]). Foi realizada uma tentativa de redução fechada sem sucesso. Assim, o punho foi imobilizado com tala gessada posterior antebraqui-palmar e foi proposta a intervenção cirúrgica.

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Fig. 1 Radiografia inicial a demonstrar a luxação distal do pisiforme.
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Fig. 2 Tomografia computorizada (reconstrução tridimensional) a demostrar a luxação do pisiforme sem outras lesões associadas.

Foi realizada redução aberta do pisiforme e fixação ao piramidal com dois fios de Kirschner, sob controle radioscópico ([Figura 3]). Constatou-se disrupção da cápsula articular e integridade do FUC mantida. O punho foi imobilizado com tala gessada posterior antebraqui-palmar em flexão e desvio ulnar.

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Fig. 3 Radiografia no período pós-operatório imediato a demonstrar a redução anatómica do pisiforme, fixado ao piramidal com fios de Kirschner.

Cinco semanas após a cirurgia, foram removidos os fios de Kirschner e a tala gessada, e foi iniciada a reabilitação motora. Às 12 semanas de pós-operatório, a radiografia de controle mostrava o pisiforme na sua posição nativa ([Figura 4]). Aos 12 meses de pós-operatório, o paciente apresentava recuperação completa do arco de movimento do punho, e força muscular simétrica sem dor residual ([Figura 5]) – Disability of Arm, Shoulder and Hand (DASH) escore 0; Patient-Rated Wrist Evaluation (PRWE) escore 0.

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Fig. 4 (A) Radiografia do punho esquerdo às 12 semanas pós-operatório: redução do pisiforme mantida; (B) Radiografia do punho direito.
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Fig. 5 Fotografia do paciente a demonstrar um arco de movimento simétrico.

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Discussão

A luxação isolada do pisiforme é uma lesão extremamente rara, com um número reduzido de casos descritos na literatura. É uma lesão que pode facilmente ser negligenciada, especialmente quando associada a outras lesões. Assim, é necessário um alto grau de suspeição para identificar esta lesão em pacientes com traumatismo do membro superior.

Situado no bordo ulnar da fileira proximal do carpo, o osso pisiforme articula com o piramidal através da sua face dorsal. Em razão da sua faceta articular plana, o pisiforme depende dos tecidos moles envolventes para garantir a sua estabilidade, como os ligamentos pisohamato e pisometacárpico e os tendões do FUC e do abdutor do quinto dedo. O pisiforme atua como osso sesamoide, servindo de alavanca para aumentar a força de flexão do punho produzida pelo FUC.[1] [8] [9]

Existem dois mecanismos propostos para explicar a luxação do pisiforme: traumatismo externo direto ou força tracional excessiva exercida pelo FUC.[2] [3] [4] O último mecanismo parece ser o mais frequente, quer por queda com traumatismo do punho em extensão, quer por contração muscular violenta súbita do FUC.

A ação do músculo flexor do punho predominante – FUC – tende a deslocar o pisiforme proximalmente. Assim, a luxação do pisiforme neste sentido é a mais frequente devido à sobreposição das forças do FUC às demais estruturas estabilizadoras.[5]

No caso descrito, o mecanismo traumático específico pode explicar a fisiopatologia da luxação do pisiforme no sentido distal. Hipotetizamos que a força tangencial progressiva exercida pelo objeto pesado sobre o punho pode explicar a migração distal do pisiforme, devido à disrupção capsular e ao estiramento do tendão do FUC. O hâmulo do hamato pode atuar como fator de bloqueio à redução do pisiforme para a sua posição anatômica. A força exercida pelo abdutor do quinto dedo pode representar outro cofator da migração do pisiforme para a fileira distal do carpo.

O tratamento indicado ainda não é claro; no entanto, uma tentativa de redução fechada num traumatismo agudo pode ser a primeira opção terapêutica. Caso a redução fechada se mostre infrutífera, deve ser realizada a redução aberta e fixação interna ou a excisão do pisiforme. Nos casos de tratamento não imediato ou atraso diagnóstico, a redução anatómica pode tornar-se difícil e a excisão do pisiforme apresenta-se como o tratamento com resultados mais previsíveis.[3] [6]

No caso descrito, optou-se pela redução aberta e fixação do pisiforme na sua posição anatômica, tendo em conta a possibilidade de recuperação total da função do FUC. A imobilização em flexão e desvio ulnar permite diminuir a tensão sobre o FUC para potenciar a sua cicatrização, bem como a das outras estruturas justa-articulares.[8] Acreditamos que a técnica utilizada é um método fiável e com bom resultado funcional para o tratamento da luxação isolada do pisiforme.


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

O estudo foi realizado em conformidade com a Declaração da Associação Médica Mundial de Helsinque sobre Princípios Éticos para Pesquisa Médica Envolvendo Seres Humanos.

* Trabalho desenvolvido no Departamento de Especialidades Cirúrgicas – Unidade Funcional de Ortopedia, Hospital de Cascais – Dr. José de Almeida, Alcabideche, Portugal.


  • Referências

  • 1 Kwon OS, Choi SP, Won HY. Acute isolated pisiform dislocation: A case report. J Korean Orthop Assoc 2007; 42 (05) 688-691
  • 2 Minami M, Yamazaki J, Ishii S. Isolated dislocation of the pisiform: a case report and review of the literature. J Hand Surg Am 1984; 9A (01) 125-127
  • 3 Schädel-Höpfner M, Junge A, Böhringer G. [Dislocation of the pisiform bone. A review of the literature]. Handchir Mikrochir Plast Chir 2002; 34 (03) 168-172
  • 4 Sharara KH, Farrar M. Isolated dislocation of the pisiform bone. J Hand Surg Br 1993; 18 (02) 195-196
  • 5 Campbell E, Magi E. A dislocated pisiform: Case report. Can J Plast Surg 1999; 7 (02) 57-58
  • 6 Goriainov V, Bayne G, Warwick DJ. Traumatic dislocation of the pisiform: a case report. J Orthop Surg (Hong Kong) 2010; 18 (03) 389-390
  • 7 Kubiak R, Slongo T, Tschäppeler H. Isolated dislocation of the pisiform: an unusual injury during a cartwheel maneuver. J Trauma 2001; 51 (04) 788-789
  • 8 Pevny T, Rayan GM, Egle D. Ligamentous and tendinous support of the pisiform, anatomic and biomechanical study. J Hand Surg Am 1995; 20 (02) 299-304
  • 9 Moojen TM, Snel JG, Ritt MJ, Venema HW, den Heeten GJ, Bos KE. Pisiform kinematics in vivo. J Hand Surg Am 2001; 26 (05) 901-907

Endereço para correspondência

Rafael Dias, MD
Avenida Brigadeiro Novais
2755-099, Alcabideche
Portugal   

Publication History

Received: 06 June 2020

Accepted: 17 September 2020

Article published online:
31 March 2021

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  • 9 Moojen TM, Snel JG, Ritt MJ, Venema HW, den Heeten GJ, Bos KE. Pisiform kinematics in vivo. J Hand Surg Am 2001; 26 (05) 901-907

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Fig. 1 Radiografia inicial a demonstrar a luxação distal do pisiforme.
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Fig. 2 Tomografia computorizada (reconstrução tridimensional) a demostrar a luxação do pisiforme sem outras lesões associadas.
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Fig. 3 Radiografia no período pós-operatório imediato a demonstrar a redução anatómica do pisiforme, fixado ao piramidal com fios de Kirschner.
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Fig. 4 (A) Radiografia do punho esquerdo às 12 semanas pós-operatório: redução do pisiforme mantida; (B) Radiografia do punho direito.
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Fig. 5 Fotografia do paciente a demonstrar um arco de movimento simétrico.
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Fig. 1 Initial radiograph demonstrating a distal pisiform dislocation.
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Fig. 2 Computed tomography scan (with three-dimensional reconstruction) showing pisiform dislocation and no other concomitant lesions.
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Fig. 3 Immediate postoperative radiograph demonstrating the anatomical reduction of the pisiform and its fixation to the triquetral bone with Kirschner wires.
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Fig. 4 (A) Radiograph of the left wrist at 12 weeks postoperatively, revealing the sustained pisiform reduction; (B) Radiograph of the right wrist.
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Fig. 5 Photograph of the patient demonstrating a symmetrical range of motion.