CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2022; 57(02): 345-347
DOI: 10.1055/s-0040-1722587
Relato de Caso
Coluna

Osteoartrose costovertebral: Diagnóstico diferencial raro de dorsalgia no paciente jovem. Relato de caso[*]

Article in several languages: português | English
1   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Santa Maria, Porto, Portugal
,
Diogo Soares
1   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Santa Maria, Porto, Portugal
,
Daniel Brás Lopes
1   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Santa Maria, Porto, Portugal
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Rui Milheiro Matos
1   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Santa Maria, Porto, Portugal
,
Rui Peixoto Pinto
1   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Santa Maria, Porto, Portugal
› Author Affiliations
 

Resumo

O diagnóstico diferencial de dorsalgia revela-se um desafio pela proximidade da coluna dorsal a órgãos vitais assim como por sua anatomia única, inervação e articulação com as costelas. Os padrões de dor referida visceral obrigam, na maioria das vezes, a extensivos exames complementares de diagnóstico de forma a excluir condições graves. A osteoartrose da articulação costovertebral é um diagnóstico pouco reconhecido, e habitualmente é somente considerado quando a fonte de dor continua sem explicação após extensa investigação. Os autores apresentam o caso de um homem de 40 anos de idade com dor dorsal incapacitante devido a osteoartrose costovertebral isolada. A sintomatologia foi controlada após a injeção de metilprednisolona guiada por tomografia computadorizada. Este caso clínico tem como objetivo descrever a apresentação clínica de uma entidade rara que deverá ser considerada no diagnóstico diferencial de dorsalgia.


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Introdução

A sintomatologia álgica com origem na coluna vertebral é uma queixa prevalente, sendo responsável por consideráveis custos diretos, inerentes à prestação de cuidados de saúde, e indiretos, devidos ao absentismo e perda de produtividade. O seu esclarecimento etiológico pode impor-se como um verdadeiro desafio diagnóstico dada a sua proximidade a órgãos vitais e ao fenômeno de dor referida que resulta da convergência neuronal aferente de fibras viscerais e somáticas ao nível da coluna dorsal.[1] [2] Isso explica o amplo espectro de diagnósticos diferenciais de dorsalgia, incluindo hérnia discal, fratura vertebral, alterações degenerativas facetárias, neuralgia intercostal, fraturas de costelas, e ainda patologias do foro não ortopédico, nomeadamente, cardíacas, renais, pulmonares e abdominais.[3]

Apesar de a osteoartrose (OA) da articulação costovertebral ser um achado degenerativo comum em idade geriátrica,[4] a sua ocorrência isolada no paciente jovem é rara, sendo uma condição pouco reconhecida na origem de dor dorsal.[5] Os autores apresentam o caso de um paciente jovem com um quadro de dor dorsal, irradiada ao hemitórax esquerdo, com origem na OA de uma articulação costovertebral. Esse caso destaca a complexidade do diagnóstico de dor dorsal e visa sensibilizar os médicos para a existência desse diagnóstico, a fim de evitar exames complementares dispendiosos e muitas vezes desnecessários direcionados à exclusão de patologia cardíaca ou pulmonar.


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Descrição do caso

Um paciente de 40 anos de idade, do gênero masculino, relatou dor torácica com 4 semanas de evolução, de aparecimento insidioso, irradiada para o tórax esquerdo. A dor motivou duas idas ao serviço de emergência, onde o paciente foi avaliado por um especialista em medicina interna e submetido à realização de eletrocardiograma, radiografia de tórax, ecocardiograma, ecografia abdominal e estudo analítico (hemograma, velocidade de sedimentação, e proteína C reativa). Todos os exames foram negativos para patologia cardíaca, pulmonar ou abdominal, sendo a dor interpretada num contexto de contratura do músculo trapézio inferior. Foram-lhe prescritos relaxantes musculares, fisioterapia, e o paciente foi, posteriormente, encaminhado para avaliação na nossa instituição. Os sintomas tornaram-se progressivamente incapacitantes com dor excruciante durante os movimentos de torção do tronco, inspiração profunda ou tosse, limitando significativamente as atividades de vida diária e a qualidade do sono. O paciente negou qualquer história de trauma, febre, fadiga ou perda ponderal. Relatou episódios prévios de dor, de natureza semelhante à atual, mas de menor intensidade e autolimitados, passíveis de alívio sintomático com a toma de antiinflamatórios. Ao exame objetivo, não apresentou assimetrias ou massas torácicas. A palpação das apófises espinhosas torácicas, do ligamento interespinhoso e da junção costotransversa foi indolor; no entretanto, a compressão das costelas inferiores esquerdas desencadeou dor paravertebral. O exame neurológico foi normal.

O paciente foi submetido à ressonância magnética da coluna dorsal, que revelou hiposinal nas sequências ponderadas em T1 e hipersinal nas sequências ponderadas em T2 ao nível da articulação costovertebral esquerda de D10. A patologia discal intervertebral foi excluída. Devido à natureza incerta da lesão, foram solicitadas uma tomografia computadorizada (TC) dorsal e uma cintigrafia óssea. A TC revelou a presença de alterações degenerativas da articulação costovertebral de D10 ([Figura 1]), em concordância com um aumento focal da captação de tecnécio-99m (Tc-99m) na mesma localização ([Figura 2]), sendo os resultados a favor do diagnóstico de OA costovertebral. O doseamento dos marcadores inflamatórios (velocidade de sedimentação e proteína C reativa), marcadores reumatológicos (fator reumatoide, anticorpo antinuclear, anticorpos anti-dsDNA), HLA-B27, marcadores víricos e hemoculturas foram todos negativos. Foi proposta a injeção intralesional de corticoide guiada por TC com intuito diagnóstico e terapêutico. A articulação costovertebral esquerda de D10 foi primeiro devidamente identificada pela injeção local de 1 mL de lidocaína (20 mg/mL), que resultou num alívio imediato da dor. A resposta positiva ao anestésico local permitiu-nos não só confirmar a localização da lesão, bem como a confirmação do diagnóstico. Posteriormente, foram administrados localmente 2 mL de metilprednisolona (40 mg/mL). O procedimento decorreu sem intercorrências.

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Fig. 1 Tomografia computadorizada. Corte axial (à esquerda) e coronal (à direita). A décima articulação costovertebral esquerda apresenta alterações degenerativas significativas, com esclerose nos níveis do corpo vertebral, do pedículo e da cabeça da costela.
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Fig. 2 Cintigrafia óssea marcada com Tc-99m. Hipercaptação isolada no nível da décima articulação costovertebral esquerda (L- lado esquerdo; R-lado direito).

Foi observado um alívio progressivo da dor ao longo dos dias seguintes, com resolução completa às 3 semanas após a injeção de corticoide. A recorrência da dor não foi observada nos últimos 2 anos.


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Discussão

O papel da OA costovertebral na origem da dorsalgia é pouco representado na literatura. A elevada prevalência de alterações degenerativas costovertebrais em pacientes assintomáticos obriga a uma interpretação cautelosa dos achados imagiológicos, sendo essencial a existência de uma correlação clínico-imagiológica. Apesar de estas serem bastante comuns em idade geriátrica,[4] a sua ocorrência em pacientes jovens sem doenças do foro reumático é rara. Clinicamente, possuem um espectro extremamente variável, podendo ser assintomáticas ou ter uma apresentação altamente debilitante, com os pacientes a referirem dor torácica posterior, que pode irradiar para o tórax ou ser sentida ao longo da costela respectiva.[3] A dor pode ser exacerbada por manobras provocatórias, nomeadamente com a inspiração profunda, tosse, flexão ou rotação do tórax e compressão da costela correspondente.

A publicação mais relevante sobre este tema é da autoria de Sales et al.,[5] que apresentou uma série de cinco casos de OA costovertebral isolada (idade média de 40,6 anos) tratados favoravelmente com a realização de artroplastia de resseção da costela.

A validade diagnóstica da cintigrafia óssea em condições degenerativas permanece questionável.[6] Verdoorn et al.[7] avaliaram a correlação entre a captação aumentada de Tc-99m nas articulações costovertebrais, a presença de dor local e resposta favorável à injeção percutânea de anestésico e corticoide. Os autores verificaram que mais da metade dos casos com hipercaptação de Tc-99m eram assintomáticos, não existindo uma correlação entre a presença de dor e a previsibilidade de resposta ao tratamento por injeção percutânea. Estes resultados são justificados pela possibilidade de existirem pontos dolorosos confundidores e pela presença de mais do que uma área de captação aumentada de Tc-99m, o que reduz a eficácia diagnóstica e a previsibilidade de resposta favorável ao tratamento com injeção percutânea de corticoide.

No nosso paciente, foi possível obter um alívio completo dos sintomas com a injeção de corticoide; no entanto, de acordo com os resultados relatados por Sales et al.,[5] é possível que haja uma recorrência dos sintomas a médio/ longo prazo, podendo a artroplastia de ressecção ser considerada com vista à obtenção de resultados duradouros.


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

* Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Santa Maria, Porto, Portugal.


  • Referências

  • 1 Saker E, Graham RA, Nicholas R. et al. Ligaments of the Costovertebral Joints including Biomechanics, Innervations, and Clinical Applications: A Comprehensive Review with Application to Approaches to the Thoracic Spine. Cureus 2016; 8 (11) e874
  • 2 Young BA, Gill HE, Wainner RS, Flynn TW. Thoracic costotransverse joint pain patterns: a study in normal volunteers. BMC Musculoskelet Disord 2008; 9: 140
  • 3 Fruth SJ. Differential diagnosis and treatment in a patient with posterior upper thoracic pain. Phys Ther 2006; 86 (02) 254-268
  • 4 Nathan H, Weinberg H, Robin GC, Aviad I. The Costovertebral Joints, Anatomical-Clinical Observations in Arthritis. Arthritis Rheum 1964; 7: 228-240
  • 5 Sales JR, Beals RK, Hart RA. Osteoarthritis of the costovertebral joints: the results of resection arthroplasty. J Bone Joint Surg Br 2007; 89 (10) 1336-1339
  • 6 De Maeseneer M, Lenchik L, Everaert H. et al. Evaluation of lower back pain with bone scintigraphy and SPECT. Radiographics 1999; 19 (04) 901-912 , discussion 912–914
  • 7 Verdoorn JT, Lehman VT, Diehn FE, Maus TP. Increased 99mTc MDP activity in the costovertebral and costotransverse joints on SPECT-CT: is it predictive of associated back pain or response to percutaneous treatment?. Diagn Interv Radiol 2015; 21 (04) 342-347

Endereço para correspondência

João Ribeiro Afonso, MD
Rua de Camões 906, 4049-025, Porto
Portugal   

Publication History

Received: 13 September 2020

Accepted: 09 October 2020

Article published online:
31 March 2021

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  • Referências

  • 1 Saker E, Graham RA, Nicholas R. et al. Ligaments of the Costovertebral Joints including Biomechanics, Innervations, and Clinical Applications: A Comprehensive Review with Application to Approaches to the Thoracic Spine. Cureus 2016; 8 (11) e874
  • 2 Young BA, Gill HE, Wainner RS, Flynn TW. Thoracic costotransverse joint pain patterns: a study in normal volunteers. BMC Musculoskelet Disord 2008; 9: 140
  • 3 Fruth SJ. Differential diagnosis and treatment in a patient with posterior upper thoracic pain. Phys Ther 2006; 86 (02) 254-268
  • 4 Nathan H, Weinberg H, Robin GC, Aviad I. The Costovertebral Joints, Anatomical-Clinical Observations in Arthritis. Arthritis Rheum 1964; 7: 228-240
  • 5 Sales JR, Beals RK, Hart RA. Osteoarthritis of the costovertebral joints: the results of resection arthroplasty. J Bone Joint Surg Br 2007; 89 (10) 1336-1339
  • 6 De Maeseneer M, Lenchik L, Everaert H. et al. Evaluation of lower back pain with bone scintigraphy and SPECT. Radiographics 1999; 19 (04) 901-912 , discussion 912–914
  • 7 Verdoorn JT, Lehman VT, Diehn FE, Maus TP. Increased 99mTc MDP activity in the costovertebral and costotransverse joints on SPECT-CT: is it predictive of associated back pain or response to percutaneous treatment?. Diagn Interv Radiol 2015; 21 (04) 342-347

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Fig. 1 Tomografia computadorizada. Corte axial (à esquerda) e coronal (à direita). A décima articulação costovertebral esquerda apresenta alterações degenerativas significativas, com esclerose nos níveis do corpo vertebral, do pedículo e da cabeça da costela.
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Fig. 2 Cintigrafia óssea marcada com Tc-99m. Hipercaptação isolada no nível da décima articulação costovertebral esquerda (L- lado esquerdo; R-lado direito).
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Fig. 1 Computed tomography. Axial (left) and coronal (right) cuts. The 10th left costovertebral joint presents significant degenerative changes, with sclerosis at the levels of the vertebral body, pedicle, and rib head.
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Fig. 2 Bone scintigraphy marked with Tc-99m. Isolated hyperuptake at the level of the 10th left costovertebral joint (L- left side; R-right side).