CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(04): e659-e661
DOI: 10.1055/s-0040-1718509
Relato de Caso
Mão

Apófise supracondilar do úmero: Causa rara de compressão alta do nervo mediano[*]

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1   Médicos Ortopedistas, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto, Portugal
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1   Médicos Ortopedistas, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto, Portugal
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1   Médicos Ortopedistas, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto, Portugal
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1   Médicos Ortopedistas, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto, Portugal
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Resumo

A apófise supracondilar (ASC) é uma proeminência óssea que tem origem na face anteromedial do úmero distal com projeção inferior e que, apesar de habitualmente assintomática, pela relação com as estruturas adjacentes pode causar sintomatologia. Descrevemos o caso de uma mulher de 42 anos, com queixas álgicas irradiadas do cotovelo à mão, com 6 meses de evolução. Ao exame objetivo, a paciente apresentava um déficit sensorial no território do nervo mediano e diminuição da força de preensão. Foram realizadas radiografias do úmero distal nas quais era visível uma espícula óssea, e na ressonância magnética era evidente o espessamento do epineuro do nervo mediano. A eletromiografia apresentou uma desmielinização axonal grave do nervo mediano proximal ao cotovelo. Foi diagnosticada uma compressão do nervo mediano por uma ASC. A paciente foi submetida à cirurgia e 1 ano pós-operatório apresentou recuperação clínica total. A ASC é uma causa rara, mas possível e tratável da compressão alta do nervo mediano.


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Introdução

A apófise supracondilar (ASC)é uma estrutura anatômica descrita por Knox em 1841. Esta proeminência óssea de tamanho variável tem origem na face anteromedial do úmero distal, projeta-se inferiormente e representa um remanescente embriológico vestigial típico de animais trepadores. A banda fibrosa conhecida como ligamento de Struthers surge habitualmente como continuação da ASC e forma um forâmen no qual o nervo mediano e a artéria braquial podem ser comprimidos no seu trajeto.[1] A prevalência desta estrutura anatômica varia amplamente nos estudos (0.7–2,5%), sendo unânime, no entanto, que esta é rara e mais prevalente na raça caucasiana e no sexo feminino.[2]


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Relato de Caso

Um paciente do sexo feminino, com 42 anos de idade, caucasiana, sem antecedentes médicos relevantes, foi observada em consulta de ortopedia por queixas álgicas progressivas, irradiadas do cotovelo até a mão esquerda, com 6 meses de evolução. Ao exame objetivo, a paciente apresentava um déficit sensorial no território do nervo mediano e diminuição da força de preensão. A paciente não apresentava tumefações palpáveis no membro superior esquerdo, nem Tinel positivo em todo o trajeto do nervo mediano ou alterações vasculares. Foi então submetida a exames de imagem para estudo da sintomatologia apresentada, que revelaram: nas radiografias do úmero distal, uma espicula óssea de orientação inferior ([Fig. 1]) e na ressonância magnética, era evidente espessamento do epineuro do nervo mediano sugestivo de compressão nervosa. Na eletromiografia, a paciente apresentou uma desmielinização axonal grave do nervo mediano proximal ao cotovelo. Foi, desta forma, diagnosticada uma compressão do nervo mediano por uma ASC.

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Fig. 1 Radiografias (incidência de face e perfil) do cotovelo esquerdo onde se observa a apófise supracondilar do úmero distal.

A paciente foi submetida à cirurgia para excisão desta estrutura por uma via anterior do úmero distal. Intraoperatoriamente confirmou-se a compressão do nervo mediano ([Figs. 2] e [3]) e foi realizada a excisão da ASC e do ligamento de Struthers, sem intercorrências. Na avaliação pós-operatória aos 2 meses, a paciente apresentou uma melhoria significativa dos sintomas neurológicos com ganho na força de preensão e diminuição de parestesias. Foi realizada uma eletromiografia que mostrou uma recuperação apreciável do nervo mediano esquerdo com normalização da neurografia motora. Um ano após a cirurgia, houve uma regressão completa da sintomatologia e recuperação da força, equiparável ao lado contralateral.

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Fig. 2 Imagens intraoperatórias da dissecção anterior por planos. Observação de várias estruturas envolvidas: nervo mediano, artéria braquial, ligamento de Struthers e apófise supracondilar.
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Fig. 3 Imagem da apófise supracondilar após a sua excisão.

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Discussão

A ASC é uma estrutura anatômica habitualmente sem manifestação clínica; no entanto, em alguns casos, pode se tornar sintomática e manifestar-se por tumefação e/ou sintomas de compressão do nervo mediano e da artéria braquial.[3] Soliere[4] relatou, em 1929, o primeiro caso de alterações clínicas causadas pela presença de uma ASC. Esta entidade representa um desafio diagnóstico dada a apresentação clínica semelhante à neuropatia mais comum do membro superior – Síndrome do túnel do carpo e também pelos múltiplos locais possíveis de compressão do nervo mediano ao nível do cotovelo, que incluem: entre as cabeças do pronador redondo, na arcada aponeurótica formada pela inserção proximal dos músculos flexores do antebraço, e no lacertus fibrosus.[5] Também deve fazer parte dos diagnósticos diferenciais a possibilidade de se tratar de ossificação heterotópica ou osteocondroma, sendo que este apresenta características diferenciadoras que passam pela orientação da espicula óssea—não apontando em direção à articulação e continuando com a cortical do úmero.[6]

Alguns casos clínicos de compressão neurovascular associados a esta estrutura estão descritos na literatura: Aydinlioglu et al.[7] descreveram um caso de compressão bilateral do nervo mediano pela ASC; May-Miller et al.[8] reportaram um caso raríssimo de compressão do nervo cubital, e existem também relatos de fratura desta estrutura.[9]

Na suspeita clínica de neuropatia pela ASC, os exames de imagem aliados à eletromiografia são diagnósticos, como no caso clínico que descrevemos. O tratamento preconizado em doentes sintomáticos é cirúrgico e consiste na exérese da ASC e, caso presente, do ligamento de Struthers, permitindo desta forma confirmar a descompressão das estruturas envolvidas. Tal como descrito na literatura e verificado neste caso clínico, esta opção de tratamento está associada a bons resultados funcionais a curto e longo prazo.[10]

Concluindo, a ASC é uma causa rara, mas possível e tratável da compressão alta do nervo mediano.


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

* Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto, Portugal.


Suporte Financeiro

Os autores declaram que não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria e/ou publicação deste artigo.


  • Referências

  • 1 Kessel L, Rang M. Supracondylar spur of the humerus. J Bone Joint Surg Br 1966; 48 (04) 765-769
  • 2 C S, B S S, G v K, S L. Morphological study of the supracondylar process of the humerus and its clinical implications. J Clin Diagn Res 2014; 8 (01) 1-3
  • 3 Subasi M, Kesemenli C, Necmioglu S, Kapukaya A, Demirtas M. Supracondylar process of the humerus. Acta Orthop Belg 2002; 68 (01) 72-75
  • 4 Solieri S. Nervalgia del nervo mediano da processo sopraepitrocleare. Chir Organi Mov 1929; 14: 171-175
  • 5 Caetano EB, Sabongi JJ, Vieira LA, Caetano MF, de Bona JE, Simonatto TM. Struthers' ligament and supracondylar humeral process: an anatomical study and clinical implications. Acta Ortop Bras 2017; 25 (04) 137-142
  • 6 Fragiadakis EG, Lamb DW. An unusual cause of ulnar nerve compression. Hand 1970; 2 (01) 14-16
  • 7 Aydinlioglu A, Cirak B, Akpinar F, Tosun N, Dogan A. Bilateral median nerve compression at the level of Struthers' ligament. Case report. J Neurosurg 2000; 92 (04) 693-696
  • 8 May-Miller P, Robinson S, Sharma P, Shahane S. The Supracondylar Process: A Rare Case of Ulnar Nerve Entrapment and Literature Review. J Hand Microsurg 2019; 11 (Suppl. 01) S06-S10
  • 9 Newman A. The supracondylar process and its fracture. Am J Roentgenol Radium Ther Nucl Med 1969; 105 (04) 844-849
  • 10 Shon HC, Park JK, Kim DS, Kang SW, Kim KJ, Hong SH. Supracondylar process syndrome: two cases of median nerve neuropathy due to compression by the ligament of Struthers. J Pain Res 2018; 11: 803-807

Endereço para correspondência

Luísa Vital, MD
Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar Universitário de São João
Alameda Professor Hernâni Monteiro, Porto, 4200 -319
Portugal   

Publication History

Received: 29 April 2020

Accepted: 06 July 2020

Article published online:
29 October 2020

© 2020. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commercial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)

Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revinter Publicações Ltda
Rio de Janeiro, Brazil

  • Referências

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Fig. 1 Radiografias (incidência de face e perfil) do cotovelo esquerdo onde se observa a apófise supracondilar do úmero distal.
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Fig. 2 Imagens intraoperatórias da dissecção anterior por planos. Observação de várias estruturas envolvidas: nervo mediano, artéria braquial, ligamento de Struthers e apófise supracondilar.
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Fig. 3 Imagem da apófise supracondilar após a sua excisão.
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Fig. 1 Radiographs (face and profile views) of the left elbow showing the supracondylar apophysis of the distal humerus.
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Fig. 2 Intraoperative images of the anterior plane dissection. Observation of several structures involved: median nerve, brachial artery, Struthers ligament, and supracondylar apophysis.
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Fig. 3 Image of the supracondylar apophysis after excision.