Palavras-chave
cartilagem - joelho - osso escafoide - condrócitos - fibrina
Introdução
Lesões condrais e osteocondrais provocam degeneração articular, o que pode exigir
a colocação de uma prótese.[1] A cartilagem é um tecido de baixa densidade celular cujo reparo ou regeneração precisa
de suporte.[2]
[3] Para isso, técnicas cirúrgicas baseadas em métodos regenerativos utilizam bioengenharia
para desenvolvimento de um novo tecido de cartilagem hialina (implante autólogo de
condrócitos [IAC], células-tronco mesenquimatosas [CTMs] ou condrócitos em diferentes
arcabouços [CDAs]).[2] Essas técnicas podem ser realizadas por meio de cirurgia aberta, miniartrotomia
ou artroscopia.
O IAC foi desenvolvido a partir do implante de células cultivadas na própria lesão,
como uma suspensão celular,[4] para inclusão em arcabouços biodegradáveis[5]
[6] que permitem a síntese de matriz extracelular e a diferenciação celular. Embora
o número de células seja homogêneo entre as publicações, o tipo de matriz utilizada
é bastante variável.
Outro aspecto a considerar nesse tipo de tratamento é que, durante o crescimento celular,
em certas condições, a morfologia e o fenótipo celular podem ser alterados, com expressão
de fatores de transcrição, como o gene Sox9, a produção de col2 ou a síntese de col1,
col3 ou col10 e a geração de uma matriz extracelular de más condições biomecânicas[7] e sua diferenciação em um tecido que também tem baixa qualidade para desempenhar
a função da cartilagem hialina.[8] A cultura dos condrócitos em um ambiente condrotrópico, porém, pode levar a sua
diferenciação para desenvolvimento de tecido cartilaginoso hialino.[9]
As técnicas regenerativas têm altos custos econômicos e alta morbidade; além disso,
nem sempre estão associadas a melhores resultados em longo prazo.[10]
[11] O objetivo do nosso estudo é analisar os resultados clínicos em pacientes com lesões
condrais tratadas com condrócitos autólogos cultivados em um arcabouço de fibrina.
Material e Metodologia
Estudo prospectivo com 56 pacientes, 36 homens e 20 mulheres, operados entre abril
de 2014 e outubro de 2017 por apresentarem dor, bloqueio articular e limitações funcionais
do joelho. A média de idade dos pacientes foi de 36 anos (desvio-padrão [DP]: 13;
faixa: 16–64). O período médio de acompanhamento foi de 27 meses (DP: 16; faixa: 12–72).
Trinta e duas lesões eram no joelho esquerdo e 24, no joelho direito. Quanto à localização,
havia 43 lesões condrais, 9 lesões osteocondrais, 2 casos de osteocondrite dissecante
e 2 traumatismos osteocondrais. Oito lesões afetavam a patela, 40 estavam no côndilo
femoral medial, 7 no côndilo femoral lateral e, por fim, havia 1 caso na tróclea.
Quarenta e três dos pacientes eram praticantes de atividades esportivas e 6 eram atletas
profissionais.
Os critérios de inclusão foram pacientes com idade entre 16 e 65 anos, sem sinais
de osteoartrite ou doença reumática, sendo operados pela primeira vez com lesões únicas,
condrais ou osteocondrais, com 2 a 10 cm2 de tamanho e lesão óssea com ≤ 10 mm de profundidade. Os critérios de exclusão foram
a presença de osteoartrite de grau II ou superior na escala de Kellgren-Lawrence,
obesidade mórbida (índice de massa corporal [IMC] > 40) e deformidade em valgo ou
varo superior a 10°.
A cirurgia foi realizada de 1 a 6 anos após o aparecimento dos sintomas, mas, na maioria
dos casos, esse período foi de 2 a 4 anos. Em cinco ocasiões, a lesão da cartilagem
foi associada à ruptura do menisco ou do ligamento cruzado anterior, que foi reparada
na mesma cirurgia. O eixo mecânico dos membros inferiores foi examinado para detecção
de deformação em valgo ou varo. Osteotomias corretivas não foram realizadas.
Os pacientes foram avaliados pelos escores de joelho de Cincinnati e Knee Injury and Osteoarthritis Outcome (KOOS) antes e 6 e 12 meses após a cirurgia. A amplitude de movimento e a presença
de crepitação foram medidas e, em cada avaliação, radiografias em incidência anteroposterior
e sagital, com o paciente em pé, e ressonância magnética (RM) do joelho foram obtidas.
A amplitude de movimento antes e depois da cirurgia foi avaliada separadamente pelas
duas escalas.
Procedimento de Obtenção de Cartilagem
O espécime de cartilagem foi obtido da fossa intercondilar por procedimento artroscópico,
com uso do sistema de transplante autólogo osteocondral OATS (Artrex, Karisfeld, Alemanha)
de 8 mm de diâmetro. A cartilagem extraída foi armazenada em soro fisiológico suplementado
com 0,05 mg de gentamicina. Em nosso laboratório de engenharia de tecidos, expandimos
e mantivemos os condrócitos in vitro de acordo com os procedimentos do banco de ossos e tecidos.
Cultura de Condrócitos
A cultura de condrócitos foi realizada de acordo com uma versão modificada da técnica
desenvolvida por Visna et al.[6] A cartilagem articular foi seccionada em pequenos cubos de 1 a 3 mm3 sob fluxo laminar de classe II. Os fragmentos de cartilagem foram tratados com tripsina
(GIBCO-BRL Life Technologies, Grand Island, NY, Estados Unidos) e, para digestão da
matriz condral, com colagenase tipo II (GIBCO-BRL Life Technologies). Os condrócitos
obtidos foram inoculados em frascos de cultura de 75 cm2 (NUNC™ Creek Drive, Rochester, NY, Estados Unidos) para crescimento in vitro com meio Opti-MEM (GIBCO-BRL Life Technologies), suplementado com soro humano autólogo
(SHA) a 10% e gentamicina. As culturas foram mantidas em uma atmosfera controlada
com 5% de CO2 e umidade relativa de 100%. Quando as culturas em monocamada atingiram 70 a 80% de
confluência, as células foram destacadas e incubadas em tripsina-EDTA (GIBCO-BRL Life
Technologies).
Uma cola à base de fibrina foi utilizada para semear os condrócitos em um arcabouço
tridimensional. Seguimos as instruções do fabricante e, antes de misturar o fibrinogênio
e a trombina fornecidos no recipiente, adicionamos os condrócitos para que ficassem
em suspensão de fibrina. Ao estimar a confluência de 80%, as células foram suspensas
com tripsina-EDTA a 0,25%, contadas em uma câmara de Neubauer com trypan blue e subcultivadas em três frações para estimular a propagação celular e permitir o
estabelecimento de novas culturas até a obtenção de 15 milhões de células. Testes
microbiológicos foram realizados para assegurar a ausência de contaminação das culturas.
Esse número de condrócitos foi obtido em 26 dias e em frascos de cultura de 15 × 75 cm2. A seguir, as células foram semeadas no arcabouço tridimensional de fibrina, que
foi colocado em um molde e mantido por 5 minutos.
Técnica Cirúrgica ([Fig. 1])
Fig. 1 (a) Radiografia pré-operatória, (b) Uma artrotomia foi realizada e a área lesada
foi exposta. (c) Os fragmentos osteocondrais soltos foram removidos e o tecido cicatricial
no leito da lesão foi submetido à curetagem; pequenas perfurações foram feitas na
placa óssea subcondral, sem removê-la, para que a cola biológica facilitasse a ancoragem
do implante ósseo. (d) Gabarito de alumínio para construção do molde com a mesma morfologia
da lesão; (e) Suturas reabsorvíveis. (f) Após a colocação do implante, as suturas
transosóseas foram removidas e uma camada de cola de fibrina foi colocada na superfície
articular do enxerto; (g) Radiografia de controle obtida 12 meses após o procedimento.
A cirurgia foi realizada no dia seguinte à semeadura das células. Uma artrotomia foi
realizada e a área de lesão foi exposta. Em seguida, os fragmentos osteocondrais soltos
foram removidos e o tecido cicatricial no leito da lesão foi submetido à curetagem.
Um milímetro das bordas da cartilagem articular ao redor da lesão foi removido e pequenas
perfurações foram feitas na placa óssea subcondral, sem removê-la, para que a cola
biológica facilitasse a ancoragem do implante ósseo.
Um gabarito de alumínio foi utilizado para construção de um molde com a mesma morfologia
da lesão e o tamanho e a forma do implante foram projetados de forma a assegurar o
contato das bordas com o defeito ósseo receptor. Âncoras cirúrgicas de titânio de
2,4 mm (MiniFasTak®, Arthrex, Naples, Flo, U.S.A) foram introduzidas nas bordas da lesão, com mudança
das suturas para suturas PDS II (polidioxanona) de fios reabsorvíveis (Ethicon, Inc.,
Sommerville, NJ, USA). Ao inserir as âncoras nas bordas do defeito, o fio de sutura
atravessou o implante em si (Condrograft®, Banco de Huesos, UANL, Monterrey Mexico) que está em contato com o osso subcondral
e, a seguir, atravessou novamente o implante por seu aspecto superior, assegurando
sua proximidade com o outro lado do orifício. Um túnel transósseo foi preparado em
direção ao lado livre do côndilo. Por esse túnel, o fio usado para sutura do implante
foi introduzido. Após o posicionamento das âncoras e a inserção do fio pelo túnel
transósseo, as suturas foram identificadas e os nós foram dados sem exercer pressão
até o término da próxima etapa de fixação.
Para integração total do enxerto de fibrina, a cola biológica de fibrina Tissucol
(Baxter Biosciences, Viena, Áustria) foi utilizada para formação de um coágulo estável,
sem afetar as células semeadas, e incentivar sua integração ao tecido cartilaginoso
saudável e a migração celular para o enxerto.
A cola Tissucol foi aplicada em uma camada sobre o defeito e, imediatamente depois,
o enxerto foi inserido e mantido em posição usando as suturas transósseas; o enxerto
foi abaixado e colocado manualmente por tração dessas suturas para que suas bordas
entrassem em contato com os lados do defeito. Após a colocação de Condrograft em sua
posição definitiva no interior da lesão, as suturas transósseas foram removidas, sem
força excessiva, na direção do aspecto livre do côndilo femoral. Por fim, uma camada
de cola foi aplicada na superfície articular do enxerto e no ponto de união à cartilagem
normal.
Após o fechamento da ferida por planos, a articulação do joelho foi colocada em extensão
por 8 horas para permitir a secagem completa de Tissucol.
Cuidado pós-operatório
A movimentação passiva foi permitida 8 horas após a cirurgia e movimentação ativa,
em 48 horas. A deambulação parcial foi permitida depois de 10 dias, com muletas e
carga progressiva. Após 6 semanas, permitimos a locomoção plantígrada com 75% do peso
corporal. O protocolo de fisioterapia foi concluído 18 semanas após a cirurgia, quando
as muletas foram removidas e o suporte de carga passou a ser total.
Aquisição de dados de ressonância magnética
As imagens de RM foram adquiridas com equipamento GE de 1,5 Tesla (General Electric
Healthcare, Milwaukee, WI, Estados Unidos). Três sequências clinicamente apropriadas
(FS FGRE tridimensional [3D], FSE [dual echo spin echo] bidimensional [2D] e FSE [fast spin echo] 2D) foram adquiridas de cada participante do estudo. Todas as imagens foram revistas
por um radiologista experiente para confirmação da ausência de patologia.
Duas sequências de imagens foram usadas. Imagens 2D de FSE com eco duplo foram adquiridas
para cálculo, em pixels, da densidade de prótons (PD) em mapas de relaxamento T2.
As imagens 3D de FS FGRE foram segmentadas com um método semiautomatizado baseado
em atlas (QMetrics, Inc., Rochester, NY, Estados Unidos). As imagens foram segmentadas,
como já descrito, em sub-regiões ósseas e cartilaginosas usando oito atlas. Essa abordagem
produziu oito segmentações separadas que foram comparadas voxel por voxel para criação
de um mapa de segmentação. As segmentações de cartilagem foram obtidas das regiões
medial e lateral de sustentação do peso do fêmur e da cartilagem medial e lateral
da tíbia. Mapas de segmentação da cartilagem foram utilizados para determinação do
volume (mm3) e da espessura média (mm) de cada região de interesse. Esse método produziu valores
de precisão em teste-reteste da espessura da cartilagem femoral de 0,014 mm (0,6%)
em imagens obtidas à ressonância magnética de 1,5T[12] ([Fig. 2]).
Fig. 2 (a,b) Incidência sagital pré-operatória da cartilagem do côndilo femoral em sequência
FS FGRE tridimensional (3D); (c, d) Renderização 3D da curvatura da superfície. A
interface da cartilagem óssea mostra a extensão da lesão condral. A superfície articular
mostra a cartilagem íntegra. (e) Incidência sagital da cartilagem em mapeamento ponderado
em T2 estimado a partir de sequência FSE (dual echo spin echo) bidimensional. A ponderação em T2 da cartilagem normal varia de 20 a 100 milissegundos.
Análise estatística
Uma análise estatística descritiva foi realizada, com uso do teste t de Student pareado
para comparação dos escores antes e depois da cirurgia.
Resultados
Antes da cirurgia, a maioria dos pacientes relatava dor e inflamação, o que os impedia
de realizar suas atividades normais
No período pós-operatório, os pacientes realizavam atividades diárias normais cotidianas
e de trabalho, além de praticarem exercícios leves; um terço deles achava que o joelho
estava normal e que podia realizar exercícios e tarefas mais difíceis. Houve uma melhora
na percepção dos sintomas após a cirurgia, embora a diferença não tenha sido significativa.
O escore geral dos pacientes nas escalas de Cincinnati e KOOS ([Tabela 1]) melhorou ao longo do tempo, mas mais diferenças não foram detectadas após os primeiros
6 meses ([Fig. 3a]). A mobilidade variou após o tratamento, sendo normal após 6 meses após a cirurgia.
Tabela 1
Acompanhamento (meses)
Pós-operatório
|
Cincinnati
X (Desvio padrão)
faixa
|
KOOS
X (Desvio padrão)
faixa
|
Pré-operatório
|
53,2 (16,96)
10–79
|
56,04 (15,29)
22,6–76,19
|
< 6
|
88,69 (13,03)
42–100
|
86,57 (11,46)
52,38–97,6
|
7–14
|
85 (16,54)
55–100
|
87,47 (16,17)
40,48–98,8
|
15–24
|
82,38 (16,16)
46–100
|
89,85 (8,47)
66,07–98,8
|
Fig. 3 (a) O escore de KOOS e (b) o escore de Cincinnati melhoraram com o passar do tempo,
embora não haja mais diferenças depois os primeiros seis meses.
A avaliação funcional das atividades cotidianas antes da cirurgia mostrou que 50%
dos pacientes conseguiam andar menos de um quarteirão e apresentavam limitações ao
subir escadas ou agachar. Seis meses depois da cirurgia, 75% dos pacientes conseguiam
realizar suas atividades diárias normalmente. Uma melhora clínica ao andar, subir
escadas, sentar e ajoelhar foi observada 6 meses após a cirurgia (p < 0,05) ([Tabela 2]) ([Tabela 3]). Quanto às atividades esportivas, houve uma clara melhora na capacidade dos pacientes
após a cirurgia em comparação aos achados pré-operatórios (p < 0,05) ([Fig. 3b]).
Tabela 2
|
Pré-operatório
X (desvio padrão)
faixa
|
6 meses
X (desvio padrão)
faixa
|
12 meses
X (desvio padrão)
faixa
|
24 meses
X (desvio padrão)
faixa
|
Geral
|
56,04 (15,29)
22,6–76,19
|
62,52 (18,62)
30,3–94,59
|
78,63 (14,43)
35,12–96,43
|
88,11 (12,23)
40,48–98,8
|
Sexo feminino
|
58,27 (15,29)
25–75,59
|
67,99 (18,09)
36,9–92,26
|
78,78 (15,27)
39,88–95,27
|
87,33 (17,13)
98,8–50,59
|
Sexo masculino
|
54,8 (15,37)
22,6–76,19
|
59,48 (18,46)
30,3–94,59
|
78,55 (14,17)
35,12–96,43
|
88,54 (12,32)
40,48–98,8
|
Lesão de cartilagem
|
Condral
|
55,93 (14,36)
25–76,19
|
63,51 (17,19)
30,3–92,2
|
78,89 (13,12)
39,88–96,43
|
88,73 (9,99)
50,6–98,8
|
Osteocondral
|
59,97 (20,44)
22,6–75
|
63,82 (22,7)
36,9–94,59
|
84,22 (11,67)
59,52–94,59
|
93,36 (4,39)
85,71–98,8
|
Tabela 3
|
Pré-operatório
X (desvio padrão)
faixa
|
6 meses
X (desvio padrão)
faixa
|
12 meses
X (desvio padrão)
faixa
|
24 meses
X (desvio padrão)
faixa
|
Geral
|
53,2 (16,96)
10–79
|
56,4 (19,30)
19–86
|
74,75 (16,85)
19–93
|
85,07 (15,41)
42–100
|
Sexo feminino
|
50,9 (18,9)
10–71
|
59 (19,5)
19–84
|
71,75 (21,4)
19–93
|
81,7 (18,55)
46–100
|
Sexo masculino
|
54,5 (15,93)
10–79
|
54,94 (19,33)
19–93
|
76,42 (13,75)
38–93
|
86,94 (13,27)
42–100
|
Lesão de cartilagem
|
Condral
|
53,35 (16,98)
10–78
|
56,7 (19,36)
19–86
|
75,3 (16,97)
19–93
|
84,93 (14,35)
46–100
|
Osteocondral
|
53,11 (20,25)
10–79
|
59 (20,1)
34–80
|
78,56 (10)
60–93
|
92,78 (5,65)
82–100
|
Não houve diferença nos escores clínicos entre mulheres e homens durante o acompanhamento
([Tabela 2]) em qualquer uma das escalas. Os resultados das lesões osteocondrais foram melhores
em comparação às lesões condrais no último exame, aos 24 meses ([Tabela 2]) ([Tabela 3]). Esses melhores resultados das lesões osteocondrais podem se dever à maior esclerose
subcondral das lesões condrais, causando mais deformidades no sítio de implante. Além
disso, as lesões osteocondrais recebem células migrantes da medula óssea, garantindo
uma fixação mais completa da matriz do bioimplante no osso.
Dos 43 pacientes que participavam de atividades esportivas, 15 (34,88%) continuaram
a praticá-las. Dos seis atletas profissionais, cinco continuaram e um teve que desistir
do esporte.
Seis complicações (10,71%) foram detectadas, metade delas relacionadas à artrotomia.
Houve três casos de artrofibrose, sendo um acompanhado por uma síndrome complexa de
dor regional. A artrofibrose foi tratada com artrólise artroscópica e mobilização
sob anestesia. O paciente com síndrome complexa de dor regional passou por uma interconsulta
com o departamento de medicina da dor, onde foi tratado, sem melhora. O paciente acabou
por receber uma prótese unicondilar de joelho. Outros três pacientes com enxerto no
côndilo medial ainda apresentavam dor e, em um segundo momento, dois deles apresentavam
delaminação total do enxerto e o outro sofreu perda completa do implante. Como a ferida
estava aberta, os três casos receberam um aloenxerto osteocondral fresco do banco
ósseo.
No escore de satisfação do paciente, 16 (28,6%) indivíduos estavam muito satisfeitos,
30 (53,6%) estavam satisfeitos e recomendariam a cirurgia, 8 (14,3%) estavam insatisfeitos
e 2 (3,5%) ficaram decepcionados. Esses dois últimos pacientes foram os que apresentaram
as complicações mais graves: um caso de artrofibrose e outro de delaminação do enxerto.
Discussão
A técnica de CDAs é bem documentada no reparo de lesões condrais e é uma segunda indicação,
em caso de insucesso de outros tratamentos, em lesões com 2 a 10 cm2 em pernas alinhadas de pacientes jovens e ativos.
Os algoritmos mais utilizados são baseados na localização, tamanho e profundidade
da lesão e no nível de atividade do paciente.[13]
[14] O tamanho da lesão e o nível de atividade do paciente são os fatores mais importantes
na determinação do tratamento correto. Os critérios que garantem bons resultados são
os seguintes: os pacientes devem ser jovens, não obesos, não fumantes, não terem sidon
submetidos a cirurgias prévias na área e devem apresentar defeitos no côndilo femoral
ou na tróclea sem sinais de degeneração.[11] A lesão deve ter tamanho inferior a 10 cm2.
Polímeros naturais e arcabouços biodegradáveis sintéticos têm sido utilizados; esses
materiais apresentam alta porosidade, grande superfície de contato celular, estrutura
estável, formato tridimensional e composição biocompatível. Diferentes tipos de materiais
foram propostos, como colágeno 1,[3] ácido hialurônico,[5] colágeno 3[15] e fibrina.[6] Os arcabouços de fibrina são formados por dois componentes derivados do plasma sanguíneo
(trombina e fibrinogênio) que, juntos, constroem uma matriz específica que oferece
bom ambiente para a proliferação de condrócitos.[8]
[16]
[17]
As lesões no côndilo femoral medial tenderam a apresentar resultados melhores após
3 anos de acompanhamento do que as do côndilo lateral, mas não as da patela.[18] Nosso estudo obteve resultados semelhantes aos da literatura. Acreditamos que esses
resultados se devam às características de localização das lesões. O côndilo femoral
medial é o sítio anatômico com mais carga em comparação a outros locais e, assim,
as lesões são um reflexo da carga. As lesões bicondilares apresentam artropatia dos
dois compartimentos, o que reduz o sucesso da evolução pós-operatória. A articulação
femoropatelar não é um sítio de carga direta. A principal função dessa articulação
é um mecanismo de polia que facilita os movimentos de flexão e extensão do joelho.
Além disso, a patela está intimamente associada ao sulco troclear do fêmur, facilitando
o implante de Chondrograft.
A idade é um fator que pode estar relacionado ao processo degenerativo ou ter influência
negativa sobre a articulação.[19] Os melhores resultados são obtidos em pacientes com menos de 30 anos de idade.[20]
[21] Embora a maioria dos estudos considere a idade dos pacientes um fator importante
para estabelecimento do prognóstico do procedimento, não observamos essa relação.
Nossos resultados mostraram que a viabilidade dos condrócitos e as condições dos pacientes,
mas não a idade, são os dois principais fatores para o sucesso do tratamento.
O tempo de espera até a cirurgia também influencia o resultado,[18]
[19] assim como outros fatores, como a estabilidade da articulação do joelho, a condição
de meniscos e ligamentos, o peso do paciente (os resultados são melhores quando o
IMC é inferior a 30) e o alinhamento do membro inferior.
Nosso estudo utilizou uma modificação da técnica desenvolvida por Visna et al.,[6] com execução de uma ou duas passagens para obtenção de 15 × 106 células em 26 dias e assegurando a preservação da capacidade de rediferenciação dos
condrócitos ao serem semeados no arcabouço. Os condrócitos foram cultivados com o
soro do próprio paciente para redução do risco de hipersensibilidade aos produtos
bovinos e do desenvolvimento de infecção. Nosso objetivo era conseguir a regeneração
da superfície articular por meio da regeneração da cartilagem hialina, que se traduz
clinicamente em eliminação da dor e da inflamação e melhora funcional.
Em um estudo multicêntrico, Micheli et al.[22] observaram que 94% dos enxertos sobreviveram 3 anos após a cirurgia em 50 pacientes
com idade média de 36 anos e lesão com tamanho médio de 4,2 cm2. Moseley et al.[23] confirmaram que, depois de 10 anos, 69% das cirurgias tiveram resultados melhores,
com 17% de taxa de falha e 12,5% de casos inalterados.
Na série descrita por Marcacci et al.,[5] com pacientes que receberam CDAs e foram acompanhados por artroscopia, quatro indivíduos
apresentavam fibrocartilagem e seis, cartilagem fibro-hialina. A presença de cartilagem
hialina foi observada em 11 pacientes. Dos 23 pacientes acompanhados por Roberts et
al.,[24] 7 tinham fibrocartilagem e apenas 5 indivíduos apresentaram regeneração da cartilagem
hialina após um longo período de acompanhamento. Nos demais casos, a lesão era recoberta
por cartilagem fibro-hialina. Tins et al.[25] obtiveram resultados semelhantes: 12 meses após a cirurgia, 25 dos 39 casos apresentavam
fibrocartilagem, 10 tinham tecido hialino-fibroso e apenas quatro exibiam cartilagem
hialina.
Não realizamos biópsias em nossos pacientes, mas sabemos que os condrócitos passam
por um processo prolongado de rediferenciação; para evitar isso, recomendamos o armazenamento
dessas células em meio viscoso, para que fiquem em suspensão, distantes entre si.
Dois estudos compararam a técnica inicial, o implante autólogo de cultura de condrócitos
(IAC), à segunda geração de CDAS e não encontraram diferenças significativas;[26]
[27] assim, parece-nos que a técnica original deve estar em desuso por ser mais agressiva
e ter evolução mais incerta.
Além disso, a técnica de CDAS tem menos complicações do que a de IAC, embora Bartlett
et al.[26] tenham realizado um estudo prospectivo e randomizado para comparação de CDAs e IAC
em 91 pacientes. Os dois grupos apresentaram resultados semelhantes 2 anos após a
cirurgia e as duas técnicas provocaram melhora 1 ano após o procedimento. A incidência
de hipertrofia foi baixa, de apenas 9% (4/44) no grupo IAC e 6% (3/47) no grupo CDAs,
mas 9% dos pacientes precisaram de uma segunda cirurgia. O uso de CDAs também foi
associado à observação de áreas de fibrocartilagem, talvez em decorrência da baixa
densidade celular e da baixa capacidade proliferativa.
É possível questionar a conveniência de uso dessas técnicas baseadas em biotecnologia,
que são mais caras e exigentes do que técnicas mais simples, como microfraturas. Knutsen
et al.,[21] em um estudo com 40 pacientes, não encontraram diferenças biológicas ou histológicas
após 2 anos entre indivíduos tratados com microfraturas ou IAC. Em 5 anos, os resultados
foram semelhantes, mas 30% dos pacientes submetidos às microfraturas apresentavam
sinais iniciais de degeneração.[10] Saris et al.[19]
[28] também compararam as microfraturas à técnica de IAC por um período de acompanhamento
de 36 meses em 118 pacientes randomizados. O escore geral de KOOS foi semelhante nos
dois grupos, embora os resultados relativos à dor e qualidade de vida tenham sido
melhores no grupo IAC. A avaliação histológica também foi melhor no grupo ACI e a
reação óssea subcondral foi pior no grupo submetido às microfraturas. Após um acompanhamento
maior, o escore de KOOS foi mais positivo no grupo IAC. Da mesma forma, Basad et al.,[29] em um estudo randomizado de 2 anos, observaram resultados melhores com CDAs do que
microfraturas.
Nossos resultados foram melhores com as lesões osteocondrais do que com as condrais,
que apresentam maior esclerose subcondral e, assim, mais deformidades no sítio de
implante. Além disso, as lesões osteocondrais recebem células em migração da medula
óssea, assegurando a fixação mais completa da matriz de bioimplante no osso.
Quanto às complicações, Vascellari et al.[30] não as encontram em 30 pacientes acompanhados por 70 meses. Nosso estudo utilizou
cola de fibrina para ancoragem adequada das células,[6] distribuindo-as de maneira homogênea e mantendo-as no interior do enxerto em todos
os níveis. Hoje, esta técnica é classificada como de terceira geração e oferece um
ambiente condrogênico favorável. Seis meses após o implante, a maioria dos pacientes
havia retomado suas atividades cotidianas e podia trabalhar e realizar exercícios
normais a moderados. Um terço participava de atividades esportivas e 83% dos pacientes
descreveram o joelho operado como normal. Atualmente, 75% dos pacientes declaram poder
caminhar, subir as escadas e se ajoelhar normalmente, sem nenhum tipo de problema.
Uma limitação do presente estudo é a ausência de dados de biópsia e ressonância magnética.
Focamos nos aspectos clínicos da doença e no estado dos pacientes e seu cotidiano.
Embora o período de acompanhamento tenha sido longo o suficiente, seria interessante
ter pesquisas em prazo ainda mais longo para descobrir quantos desses pacientes precisaram
de mais cirurgias ou artroplastias.
A semeadura de condrócitos em um arcabouço de fibrina pode gerar o microambiente favorável
para a síntese de matriz extracelular e permite interromper o avanço da doença para
restauro da mobilidade articular, redução da dor e retomada mais rápida das atividades
diárias do paciente.