Introdução
Nos últimos 15 anos, o diagnóstico do impacto femoroacetabular (IFA) tem se tornado
cada vez mais frequente; com o avanço do entendimento de quais pacientes potencialmente
se beneficiariam do tratamento cirúrgico, diferentes técnicas foram desenvolvidas.
O tratamento cirúrgico inclui grande variedade de opções, sendo elas: osteotomia periacetabular,[1] técnica de luxação cirúrgica do quadril,[2] artroscopia com osteocondroplastia via pequena incisão,[3] técnica via anterior modificada[4] e técnica exclusivamente artroscópica.[5] O tipo de abordagem deve ser escolhido de acordo com a complexidade da morfologia
do IFA e com o treinamento do cirurgião.
As técnicas mais utilizadas atualmente são a artroscopia, a luxação cirúrgica do quadril
e a osteotomia periacetabular.
A técnica desenvolvida inicialmente foi a luxação cirúrgica do quadril,[2] que permite acesso quase circunferencial ao colo do fêmur, e sua maior vantagem
é a possibilidade da realização de procedimentos associados, tais como avanço trocantérico,
alongamento relativo do colo e osteotomias femorais. Necessita de uma ampla via, maior
tempo de proteção de carga e movimentos devido à osteotomia e, embora infrequente,
pode cursar com pseudoartrose trocantérica e necessidade de retirada dos parafusos.
A artroscopia de quadril teve um grande desenvolvimento nos últimos 10 anos[5] e substituiu a luxação controlada como o procedimento de escolha para a maioria
dos casos. É de extrema importância um diagnóstico preciso da deformidade para se
ter certeza de que é possível de ser tratada por via artroscópica. Patologias anterolaterais,
que são as mais comuns, são abordadas de forma extremamente efetiva por vídeo.
A osteotomia periacetabular,[1] embora sua indicação precisa seja para o tratamento da displasia acetabular, pode
ser utilizada no tratamento da retroversão acetabular. Nesse tipo de situação, a osteotomia
é corrigida de forma reversa, ou seja, realizada anteversão e extensão do acetábulo.
Independente da técnica, os princípios de tratamento são os mesmos: correção das deformidades
ósseas e tratamento das lesões condrolabiais.
Luxação cirúrgica do quadril
A luxação cirúrgica do quadril foi descrita por Ganz et al. em 2001[2] após estudos sobre a vascularização da cabeça femoral[6] e a constatação que seria possível realizar a luxação da cabeça femoral, mantendo-se
a artéria circunflexa femoral medial intacta. Para isso, realiza-se uma osteotomia
trocantérica digástrica, uma capsulotomia anterior e luxação anterior do quadril.
Para a preservação da vascularização da cabeça, a chave é uma osteotomia trocantérica
no nível correto, ou seja, superior à borda posterior do glúteo médio até a borda
inferior do vasto lateral. A osteotomia pode ser realizada de forma incompleta anterior
e com um degrau[7] para maior estabilidade pós-redução e maior congruência dos fragmentos. Parafusos
de grandes ou pequenos fragmentos podem ser utilizados para fixação da osteotomia.
Essa via tem como vantagem permitir o acesso quase circunferencial ao colo do fêmur
e a realização de procedimentos associados como avanço trocantérico, alongamento relativo
do colo e osteotomias femorais. Como desvantagem, necessita de uma ampla via, maior
tempo de proteção de carga e abdução ativa devido à osteotomia trocantérica e, embora
infrequente, pode cursar com pseudoartrose, osteonecrose da cabeça femoral, ossificação
heterotópica e necessidade de retirada dos parafusos.[8]
Os resultados clínicos descritos para o tratamento do IFA com a luxação cirúrgica
são animadores,[9] com bons resultados reportados com seguimento mínimo de 5[10]
[11] e 10 anos.[12]
Artroscopia do quadril
A artroscopia para o tratamento do IFA é recente.[5]
[13]
[14]
[15] Avanços importantes na técnica artroscópica e nos materiais permitiram que as deformidades
sejam abordadas de forma menos invasiva. O tratamento artroscópico do IFA pode ser
realizado através da osteoplastia do fêmur proximal, ressecção da sobrecobertura acetabular
e reparo/refixação do lábio acetabular ou desbridamento, nos casos em que isso não
seja possível.
Na técnica artroscópica, a correção das deformidades ósseas é feita com auxílio de
“shavers” ósseos. Esta ressecção deve ser meticulosa (Figura 2), pois a maior causa de artroscopias
de revisão do quadril são as ressecções insuficientes da deformidade do IFA que levam
a um pinçamento persistente no quadril.[16]
[17]
[18] O cirurgião utiliza como guia da ressecção no intraoperatório a visualização direta,
a radioscopia e o teste terapêutico. Neste teste, o membro do paciente é solto da
tração e o quadril é colocado em flexão e rotação interna enquanto o cirurgião observa
diretamente se há algum impacto residual. Caso ainda seja observada alguma região
de conflito ósseo, este deve ser corrigido.
A anatomia artroscópica já foi bastante estudada, estabelecendo-se portais artroscópicos
bem definidos, seguros, e com técnica anatômica em relação à preservação da vascularização
do colo femoral.[19]
[20]
O reparo labial também é possível por via artroscópica. Inicialmente, as lesões do
lábio acetabular eram desbridadas, porém estudos posteriores demonstraram resultados
clínicos superiores com o reparo labial.[21] As lesões labiais são reparadas por meio de âncoras absorvíveis. Geralmente, múltiplas
âncoras são necessárias para um reparo adequado, dependendo do tamanho da lesão. Em
lesões complexas do lábio acetabular, nas quais o tecido labial não é saudável para
o reparo, recomenda-se a reconstrução do lábio acetabular, que pode ser realizada
com enxerto autólogo da banda iliotibial, ligamento da cabeça femoral ou aloenxertos.[22]
[23]
O ortopedista deve estar familiarizado com a anatomia artroscópica, pois pode haver
dificuldade de orientação quanto à localização e a quantidade necessária de ressecção
óssea. Ressecção óssea insuficiente resulta em impacto residual e é importante motivo
para reoperações.[17]
[18] Por outro lado, ressecção excessiva é associada com risco de fratura colo femoral
e instabilidade.[24] Estudos anatômicos comprovaram que osteoplastias do colo tanto por via aberta como
artrocóspica, quando realizadas por cirurgiões treinados, apresentam igual precisão[25]
[26] e estudos clínicos demonstraram a eficácia da restauração do “offset” femoral pela via artroscópica.[27]
[28] Desse modo, a técnica de tratamento artroscópico do IFA é factível e reprodutível.
Os resultados da artroscopia de quadril para o tratamento do IFA e lesão labial são
promissores, com excelentes taxas de satisfação, melhora dos escores clínicos e altas
taxas de retorno ao esporte. Uma revisão sistemática recente avaliou os preditores
de bom prognóstico para paciente submetidos à artroscopia.[29] Um total de 39 estudos com mais de 9.000 pacientes foram incluídos. Foram considerados
fatores preditores de bom prognóstico: pacientes jovens, sexo masculino, índice de
massa corpórea mais baixo (IMC) (< 24,5), classificação de Tonnis 0, e alívio da dor
após uma infiltração intra-articular de anestésico. Foram considerados fatores preditores
de mau prognóstico: idade acima de 45 anos, sexo feminino, IMC elevado, alterações
artríticas, espaço articular diminuído (< 2 mm), defeitos condrais, ângulo centro-borda
lateral (CE) aumentado, e pacientes submetidos a desbridamento labial. Outra revisão
sistemática avaliou a taxa de retorno ao esporte após artroscopia de quadril por IFA.[30] Foram avaliados 31 estudos com um total de 19.111 pacientes. A taxa de retorno ao
esporte foi de 87,7%. Foi encontrada uma correlação entre menor tempo de sintomas
pré-operatórios e uma maior taxa de retorno ao esporte. A artroscopia de quadril apresenta
resultados melhores que o tratamento fisioterápico em curto prazo,[31]
[32]
[33] menos complicações, embora com os mesmos resultados clínicos que a luxação cirúrgica,[9] proporciona maior probabilidade de retorno à atividade esportiva e mais precocemente
do que a luxação cirúrgica.[34]
[35]
A incidência de complicações em artroscopia de quadril é de cerca de 1,5%.[36] A complicação mais comum sendo a disfunção nervosa reversível. A causa mais comum
de reoperação após artroscopia para FAI é a ressecção óssea insuficiente e persistência
do conflito entre o acetábulo e a cabeça/colo femoral.[17]
[18] Outras complicações também estão relacionadas à técnica cirúrgica, como deformação
da cartilagem (scuffing) pela abrasão do instrumental, penetração do lábio acetabular e penetração articular
pelo material para fixação do lábio acetabular (âncoras). O posicionamento do paciente
na mesa de tração e o tempo de tração são primordiais para evitar-se lesões neurológicas
e cutâneas, sendo o tempo máximo de tração preconizado de 2 horas.[37] São descritos na literatura casos de fratura de colo de fêmur, sendo considerada
segura a ressecção até o limite de 30% do diâmetro do colo femoral.[24]
Osteotomia periacetabular reversa
A osteotomia periacetabular (OPA) foi descrita em 1988 para o tratamento da displasia
acetabular do quadril.[1] A retroversão acetabular é uma das causas do impacto tipo pincer, podendo ser corrigida
através de uma osteotomia acetabular reversa, ou seja, realizada anteversão e extensão
do acetábulo. A retroversão acetabular é diferente de uma sobrecobertura focal anterior.
Na retroversão além do sinal do cruzamento, o sinal da parede posterior é positivo.
Outras possíveis indicações de OPA reversa são as protusões acetabulares severas,
nas quais o ângulo do teto é negativo e uma ressecção do rebordo acetabular poderia
resultar em um acetábulo displásico.
A técnica cirúrgica é a mesma da OPA original, exceto a correção do fragmento, que
deve ser antevertido (rotação interna) e extendido. Essas correções tendem a lateralizar
e distalizar o centro de rotação, sendo que eventualmente pode ser necessário retirar
cunhas das regiões das correções, para permitir a rotação necessária. A correção mais
comum é retirar uma cunha do ílio superior a osteotomia e encurtar a parte estável
da osteotomia do ramo púbico. A rotação do fragmento geralmente é mais difícil. A
correção ideal é obtida com o ângulo do teto entre 1 e 10 graus, CE de 25 a 30 graus,
correção do sinal do cruzamento e do sinal da parede posterior. (Figura 3)
Os resultados da OPA reversa para o tratamento da retroversão acetabular são limitados.
Uma série de 29 quadris, demonstrou resultados bons e excelentes em 26 quadris (89%
dos casos) com seguimento médio de 30 meses.[38] Outra série com seguimento médio de 5 anos, demonstrou melhora do escore do quadril
de Harris médio de 58 para 93 e necessidade de reoperação em 13% dos casos.[39]
As complicações são semelhantes às já descritas para OPA convencional, hematoma, infecção,
paralisia ou lesão nervosa, ossificação heterotópica e necessidade de retirada de
implantes.[40]