Palavras-chave
artroplastia do joelho - defeitos ósseos - enxertos homólogos - revisão
Introdução
O aumento do número de cirurgias de revisão de artroplastia total do joelho (RATJ)
pode ser relacionado não somente ao aumento do número absoluto de cirurgias primárias
realizadas, mas, também, a diversos outros fatores, tais como a expansão das indicações
dos implantes primários, incluindo pacientes mais jovens e ativos, assim como fatores
relativos à técnica cirúrgica e à durabilidade dos implantes.[1]
[2]
[3]
[4]
[5] Nos Estados Unidos é estimado aumento de 601% do número de RATJs entre 2005 e 2030.[1] No Brasil, faltam dados confiáveis acerca da elevação do número de RATJ.
Dentre os enormes desafios dessa cirurgia complexa, o adequado tratamento dos defeitos
ósseos é essencial para obtenção de resultados satisfatórios e duradouros.[6]
[7]
[8] A causa da deficiência óssea, geralmente, é multifatorial; contudo, aspectos como
a patologia prévia, o desenho dos implantes primários, a ocorrência de osteólise,
eventuais erros técnicos na realização da prótese primária ou durante a remoção de
implantes fixos e, também, o mecanismo de falha são, frequentemente, identificados.[9]
[10]
[11]
[12]
Avaliação dos defeitos ósseos
Avaliação dos defeitos ósseos
Radiografias em plano ântero-posterior (AP) e em perfil do joelho possibilitam avaliar
o desenho e o tamanho dos componentes protéticos, analisar o tipo e a qualidade da
fixação implante-hospedeiro, inferir possíveis causas de falha e estimar a extensão
da perda óssea. A radiografia axial da patela permite avaliar o alinhamento patelar,
assim como presença ou ausência de componente patelar e/ou defeito ósseo.[13] Radiografias oblíquas podem ser úteis para evidenciar osteólise, sobretudo em implantes
com caixa de póstero-estabilização. Incidências panorâmicas permitem analisar o alinhamento
do membro, a presença de deformidades ósseas extra articulares, e a presença de eventuais
materiais de síntese, assim como a condição das outras articulações.[12]
[13]
[14]
Entretanto, as radiografias-padrão do joelho, frequentemente, subestimam, sobretudo
no fêmur,[9]
[13] a extensão do defeito ósseo identificado no intra-operatório após a remoção dos
implantes e debridamento da fibrose e de tecidos necróticos.[11]
[15] Imagens por tomografia computadorizada (TC) apresentam maior sensibilidade e especificidade
em diagnosticar os defeitos ósseos e lesões osteolíticas de difícil observação nas
radiografias devido à sobreposição de imagens dos componentes metálicos; contudo,
em virtude da elevação do custo e da exposição à radiação ionizante, a utilização
rotineira da TC não é recomendada.[11]
[12]
[13]
[16]
O adequado tratamento dos defeitos ósseos objetiva construir uma plataforma de suporte
estável e duradoura para a implantação dos componentes protéticos definitivos e, se
possível, com recomposição do estoque ósseo. Concomitantemente, possibilita o correto
alinhamento dos componentes protéticos e do membro, assim como permite restabelecer
a altura da interlinha articular e, dessa forma, restaurar a tensão de partes moles
e distribuição de carga ao osso hospedeiro, gerando uma reconstrução articular com
boa função, estável e indolor.[6]
[7]
[9]
[11]
Classificação e opções de manejo dos defeitos ósseos
Classificação e opções de manejo dos defeitos ósseos
Diversos distintos sistemas de classificação de defeitos ósseos têm sido propostos
para auxiliar na tomada de decisões. Entretanto, a subjetividade e, portanto, a baixa
concordância inter-observadores e a limitada acurácia em estimar corretamente o tamanho
da falha óssea são as principais críticas à maioria das classificações.[11]
[12]
[17]
A classificação mais amplamente utilizada é a do Anderson Orthopedic Research Institute
(AORI),[18] que descreve os defeitos de acordo com tamanho, localização e comprometimento de
estruturas de partes moles, após a remoção dos componentes e debridamento dos tecidos
desvitalizados. Os defeitos no fêmur e na tíbia são analisados separadamente em três
categorias:
Tipo 1: inclui defeitos contidos limitados ao osso esponjoso, sem comprometimento
ou falha óssea cortical. Apresenta osso metafisário intacto e, dessa forma, não compromete
a estabilidade dos componentes de revisão. Em casos selecionados, as revisões podem
ser efetivamente realizadas com implantes primários,[19] embora implantes de revisão padrão associados à utilização de hastes intramedulares
são a recomendação da maioria dos autores. Desse modo, esse tipo de defeito pode ser
efetivamente tratado por preenchimento com cimento ósseo, por vezes, associado a reforço
com parafusos. Enxertia óssea pode representar opção de manejo nesse tipo de falha
óssea. Aumentos metálicos podem, também, ser opção para restaurar a interlinha articular.[6]
[10]
[11]
[12]
[15]
[19]
Tipo 2: caracteriza-se por considerável perda do osso metafisário, o qual precisará
ser preenchido durante a cirurgia de revisão. Os defeitos podem ocorrer em somente
um côndilo femoral ou platô tibial, sendo classificados como do tipo 2A. Esses defeitos
são, mais frequentemente, manejados com cimento ósseo reforçado com parafuso ou aumentos
metálicos não porosos (cunha ou bloco) ou, ainda, enxertia óssea e componentes de
revisão padrão com hastes intramedulares.[20] Entretanto, os defeitos ósseos que acometam ambos os côndilos ou platôs são classificados
como do tipo 2B. Nesses defeitos mais severos recomenda-se opções de tratamento e
fixação mais complexas. Assim, as opções com fixação metafisária como os cones de
metal altamente poroso (cones de tântalo), ou os sleeves metafisários ou, ainda, a enxertia óssea homóloga estrutural são as opções mais recomendadas.[6]
[7]
[8]
[10]
[11]
[12]
[19]
[20]
[21]
[22]
Tipo 3: apresenta osso metafisário completamente deficiente, caracterizado por severa
perda óssea que compromete a maior porção do côndilo femoral ou do planalto tibial.
Esses defeitos são, frequentemente, associados a destacamentos dos epicôndilos e,
consequentemente, dos ligamentos colaterais, ou, ainda, do ligamento patelar. Normalmente,
para apropriado tratamento necessitam de implantes protéticos com haste intramedular
longa de fixação diafisária e opções de manejo dos defeitos com fixação metafisária,
tais como cones de metal trabecular ou sleeve metafisário ou, ainda, enxerto homólogo estrutural. Nos casos com destacamento de
epicôndilo e insuficiência ligamentar, implantes bloqueados são normalmente necessários.
Implantes customizados, e próteses não convencionais ou tumorais podem ser indicados
para manejo de grandes defeitos em que não é possível a reconstrução.[6]
[7]
[8]
[10]
[11]
[12]
[19]
[21]
[22]
[23]
Desse modo, para adequado tratamento dos defeitos ósseos durante a realização das
RATJ, a acurada análise da qualidade do osso hospedeiro, a configuração (se contido
ou não contido), o tamanho e a localização da falha óssea devem ser criteriosamente
analisados. Entretanto, atualmente, inexiste uma opção de manejo da falha óssea que
seja ideal em todas as circunstancias. Assim sendo, diversos outros fatores, tais
como demanda funcional, presença de comorbidades, expectativa de vida e experiência
do cirurgião devem ser avaliadas na tomada de decisão e escolha individualizada da
opção empregada. Contudo, a restauração do estoque ósseo é preferível em pacientes
com possibilidade de futuras revisões.[24]
Cimento ósseo com ou sem reforço com parafusos
Cimento ósseo com ou sem reforço com parafusos
Defeitos ósseos comprometendo menos de 50% da superfície óssea esponjosa (idealmente,
menos de 10% de deficiência periférica) e com profundidade inferior a 5 mm são tradicionalmente
manejados com metilmetacrilato. Em resumo, essa técnica é melhor indicada para pequenos
defeitos ósseos, principalmente, contidos.[17]
É defendida também a utilização de cimento ósseo para o manejo de defeitos com profundidade
entre 5 e 10 mm; contudo, a utilização de um ou mais parafusos de 4,5 a 6,5 mm é recomendada
para reforçar a construção, objetivando fornecer maior resistência mecânica à coluna
de cimento e melhorar a distribuição de carga ao osso hospedeiro. Nesse caso, atenção
deve ser dispensada para que os parafusos não permaneçam em contato direto com o implante
definitivo. Assim sendo, essa técnica pode ser indicada no manejo dos defeitos AORI
tipo 1 e, eventualmente, em casos selecionados AORI tipo 2A.[6]
[11]
[12]
[15]
[17]
Resultados satisfatórios, em acompanhamento de médio prazo, no tratamento de defeitos
ósseos na tíbia, utilizando cimento reforçado com parafusos, foram demonstrados por
Ritter et al.,[25] embora com elevada incidência de linhas radioluscentes não progressivas. Assim sendo,
essa técnica era mais frequentemente indicada para pacientes de idade mais avançada
e menor demanda funcional devido ao questionamento quanto à manutenção das propriedades
biomecânicas em longo prazo.[6]
[11]
[24] Posteriormente, Berend et al.[26] demonstraram elevada sobrevida dos implantes em pacientes com 20 anos de cirurgia
submetidos à artroplastia primária com significativos defeitos ósseos manejados com
metilmetacrilato reforçado com parafusos. Adicionalmente, os mesmos autores avaliaram
pacientes submetidos a cirurgias de RATJ e demonstraram que a utilização de cimento
ósseo reforçado com parafusos bem como a utilização de implantes de revisão apresentou
capacidade de restaurar a biomecânica do joelho e taxa de sobrevivência de 98,5% aos
15 anos. Desse modo, os autores orientam a possibilidade de utilização dessa técnica
como forma de reduzir custo sem comprometer a sobrevivência da prótese.[27]
Aumento metálico modular (blocos e cunhas)
Aumento metálico modular (blocos e cunhas)
Aumentos metálicos modulares são indicados no manejo de defeitos ósseos não contidos,
comprometendo mais de 25% do contorno cortical e com profundidade entre 5 e 20 mm
ou, ainda, quando mais de 40% da superfície do implante não é suportado pelo osso
hospedeiro.[11]
[12]
[15]
[28] Em resumo, aumentos metálicos modulares são mais frequentemente indicados no manejo
dos defeitos ósseos AORI tipo 2[11] e, também, empregados em casos selecionados AORI tipo 3 em pacientes idosos com
baixa demanda física.[15]
[17]
Os diversos sistemas de implantes de revisão apresentam aumentos metálicos de variadas
espessuras, tamanhos e formatos. Podem ser adicionados tanto ao componente femoral
quanto ao tibial para preenchimento da falha óssea de um ou de ambos os côndilos ou
platôs tibiais.
Os aumentos metálicos para manejo dos defeitos tibiais apresentam-se em formato de
cunha ou em bloco. Em ambas as opções, normalmente, é necessário preparação e remoção
adicional do osso hospedeiro para correta adaptação do aumento metálico. Apesar da
remoção de osso adicional ser menor com a utilização de cunhas metálicas, a força
de cisalhamento na interface implante-osso é maior e, consequentemente, é maior também
suscetibilidade à falha mecânica. Na utilização de aumento em bloco, normalmente,
a remoção óssea é maior; contudo, apresenta melhor distribuição de carga ao osso hospedeiro.[11]
[24]
[29] As eventuais perdas ósseas observadas após a utilização de aumentos modulares devem
ser preenchidos por metilmetacrilato ou por enxertia óssea.[15]
A utilização de aumentos metálicos simétricos tanto no fêmur distal quanto na tíbia
proximal frequentemente contribuem para a restauração da altura da interlinha articular
e, consequentemente, para o tensionamento de partes moles e para o equilíbrio do balanço
de flexo-extensão. Aumentos femorais posteriores são particularmente úteis na restauração
da dimensão anteroposterior do componente e, consequentemente, na estabilidade do
espaço de flexão; contudo, a utilização de aumentos femorais posteriores assimétricos
pode ser necessária para garantir apropriada rotação externa do componente.[6]
[11]
As principais vantagens da utilização de aumentos metálicos são a imediata capacidade
de sustentação de carga, o auxílio à estabilidade rotacional do componente, a redução
do tempo cirúrgico e menor número de complicações. As desvantagens, contudo, referem-se
à elevação dos custos com o implante, à ocasional necessidade de ressecção adicional
do osso hospedeiro e ao fato de não restaurar o estoque ósseo. Outras desvantagens
potenciais referem-se à possibilidade de corroção e formação de debris de desgaste
na interface aumento modular e componente protético, além da possibilidade de ocorrência
do fenômeno de stress shielding, devido à diferença entre os módulos de elasticidade do metal e do osso hospedeiro.[10]
[15]
[24]
[30]
[31]
As falhas dos aumentos metálicos em realizar adequado tratamento dos defeitosocorrem
mais frequentemente quando o cirurgião subestima a severidade da deficiência óssea
e não identifica a necessidade de utilização de opções de tratamento dos defeitos
com fixação metafisária.[11] Assim sendo, a tendência dos modernos aumentos modulares é utilizar metais em configuração
altamente porosa, entre 70 e 80%, haja vista os benefícios de apresentar módulo de
elasticidade mais próximo ao osso hospedeiro, maior capacidade de fricção e de fixação,
além de possibilitar o crescimento ósseo e a fixação biológica.
Bons ou excelentes resultados com a utilização de aumentos metálicos para o tratamento
das deficiências ósseas durante a revisão foram relatados variar de 84 a 98%,[15]
[31] muito embora a efetividade e durabilidade da técnica sejam contestadas.
Em acompanhamento prospectivo de médio a longo seguimento em 79 pacientes com defeitos
AORI, 2 tratados com aumentos metálicos, embora Patel et al.[31] tenham observado incidência de linhas de radioluscência não progressiva em 14% dos
casos, os mesmos constataram durabilidade de 92% aos 11 anos. Resultados favoráveis,
com ausência de complicações ou soltura em 3 anos, também foram relatados por Werle
et al.,[32] com a utilização de aumento metálico femoral de 30 mm para tratamento de defeitos
femorais AORI 3. Por outro lado, Hockman et al.[33] identificaram que mesmo utilizando aumentos modulares em 89% dos casos de RATJ,
enxertos estruturais foram necessários em 48% dos casos para efetivamente tratar a
deficiência óssea. Observaram ainda, maior número de falhas nos pacientes tratados
somente com aumentos metálicos, resultando em durabilidade de 79,4% em 8 anos.
Enxerto ósseo impactado
A utilização de enxerto ósseo impactado é opção efetiva para o manejo e restauração
do estoque ósseo em defeitos de diversos tamanhos e formatos, sobretudo para os contidos,
embora bons e duráveis resultados também tenham sido demonstrados para defeitos não
contidos.[30]
[34]
[35] O enxerto autólogo apresenta capacidade de osteoindução, osteocondução e osteogênica,
podendo ser utilizado, sobretudo, em deficiências pequenas devido à disponibilidade
limitada e risco de dor e complicações nos sítios doadores. Devido a maior disponibilidade
quantitativa, o enxerto homólogo é o mais frequentemente utilizado, embora apresente
risco potencial de transmissão de doenças, de fratura do osso hospedeiro durante a
impactação e, ainda, a possibilidade de absorção do enxerto com perda da capacidade
de suporte.[12]
[17]
[30]
[34]
[35] O risco aumentado de infecção e a preocupação quanto à reação imunológica são também
relacionados ao enxerto homólogo.[17]
A técnica cirúrgica demanda cuidadoso debridamento do defeito ósseo com a utilização
de broca tipo burr para remoção do osso esclerótico da periferia do defeito, formando leito viável para
a osteointegração. A estabilidade inicial dos componentes com a utilização de enxerto
ósseo impactado é preocupante e também é influenciada pela integridade da cortical,
pelo tamanho do defeito e o tipo de haste intramedular implantada. Defeitos contidos
podem ser tratados sem maiores dificuldadesç entretanto, para tratar defeitos não
contidos deve-se utilizar placa modelada ou malha metálica para evitar extravasamento
do enxerto e aumentar a estabilidade da construção.[17]
[30]
[34] O teste da haste intramedular deve estar apropriadamente posicionado previamente
à impacção de partículas ósseas de tamanho entre 3 e 5 mm para proporcionar maior
estabilidade inicial.[17]
[30]
[34] Os implantes testes são removidos, e a haste intramedular definitiva deve ser inserida.
A utilização de hastes longas press-fit pode agregar estabilidade inicial ao sistema; contudo, estas podem proteger em demasia
o enxerto da transmissão de carga e, consequentemente, existe a preocupação de inibir
a incorporação precoce; por isso, muitos autores recomendam a utilização preferencial
de haste cimentada.[30]
[34]
Em estudo de 42 RATJs, com seguimento médio de 3,8 anos, tratados com enxerto homólogo
impactado, Lotke et al.[34] identificaram a incorporação do enxerto em todos os casos sem a ocorrência de falhas
dos implantes. Resultados similares foram encontrados por Naim et al.[36] ao tratar grandes perdas ósseas tibiais com enxerto impactado e haste curta cimentada
e demonstrar resultados clínicos e durabilidade favoráveis no curto prazo. Contrariamente,
resultados ruins com acompanhamento de longo prazo (10 anos) são demonstrados por
Hilgen et al.[37] Neste estudo, dos 29 pacientes tratados com enxerto impactado e implantes constritos,
14 necessitaram de re-revisão por falha mecânica em média com 5 anos. Em todos esses
casos, foi observado no intra-operatório falta de incorporação e reabsorção do enxerto.
Enxerto ósseo homólogo estrutural
Enxerto ósseo homólogo estrutural
O enxerto ósseo estrutural do banco de tecidos representa uma opção custo-efetiva
para o tratamento de defeitos ósseos AORI tipos 2 e 3, de formatos e tamanhos variados
em pacientes com maior demanda física e possibilidade futura de nova RATJ.[17]
As vantagens da utilização do enxerto homólogo consistem na capacidade de restauração
do estoque ósseo e no adequado suporte inicial aos implantes, que possibilitam a reinserção
dos epicôndilos e evitam remoção adicional do osso hospedeiro.[17] Entretanto, além da disponibilidade limitada em nosso meio, essa técnica apresenta
o risco de não união, reabsorção e fratura do enxerto, tempo cirúrgico elevado, assim
como o risco de transmissão de doenças.[12]
A cabeça femoral é o enxerto homólogo mais amplamente utilizado, possivelmente por
sua capacidade de adaptação a diversos formatos de defeitos ósseos; contudo, partes
segmentares do fêmur distal e da tíbia proximal são também bastante utilizados. Todo
o tecido cartilaginoso do enxerto deve ser removido, assim como o osso cortical, dando
preferência pela utilização de osso esponjoso. A peça deve ser preparada com irrigação
abundante para remoção dos componentes da medular óssea. Fresa acetabular é utilizada
para remoção do osso esclerótico, de modo a potencializar o contato enxerto-osso hospedeiro
e propiciar a incorporação do mesmo. Realiza-se fixação provisória com fios de Kirschner
para continuidade da realização dos cortes ósseos com serra oscilatória. Na realidade,
o enxerto estrutural é customizado ao defeito ósseo. A fixação definitiva, caso necessário,
pode ser realizada com parafusos. Os implantes definitivos são cimentados sobre o
enxerto homólogo[12]
[38] ([Figura 1]).
Fig. 1 (A) e (B) Radiografias no plano ântero-posterior e perfil de soltura asséptica de
prótese total de joelho com marcada osteólise no fêmur distal; (C) Aspecto intra-operatório
do defeito ósseo femoral; (D) Preparação do enxerto com fresa acetabular; (E) Aspecto
intra-operatório após debridamento; (F) e (G) Radiografias pós- operatórias do enxerto
homólogo estrutural fixado com parafusos em ambos os côndilos do fêmur distal e implantes
semi-constritos de revisão; (H) Aspecto intra-operatório após utilização de enxerto
ósseo homólogo.
Em 46 RATJs utilizando enxerto homólogo estrutural, Engh e Ammem[38] relataram 91% de sobrevida aos 10 anos. Desses pacientes, quatro necessitaram de
nova abordagem cirúrgica; em dois deles o enxerto estava incorporado e em outros dois
foi realizada a remoção do enxerto devido a infecção. De modo similar, Wang et al.[39] estudaram 30 revisões nas quais se utilizaram em média 1,7 de cabeça femoral homóloga,
com seguimento médio de 76 meses, e não observaram falha do enxerto ao final da avaliação.
Conclusões favoráveis à capacidade do enxerto homólogo como opção adequada para suporte
durável foram obtidas por Chun et al.[40] ao avaliar os resultados clínicos e radiográficos, com seguimento de 8 anos de 27
pacientes, dos quais em 26 casos não foram identificados fraturas ou colapsos do enxerto
ou transmissão de doenças. Similarmente, não observamos fratura ou colapso do enxerto
homólogo em avaliação de curto prazo de 26 RATJs com defeitos AORI dos tipos 2B e
3; entretanto, em três casos notamos absorção leve a moderada do enxerto sem comprometer
a função de suporte ou falha do implante, e em um paciente observamos a não união
de enxerto segmentar do fêmur distal mas sem perda da função estrutural.[23]
Entretanto, dúvidas sobre a preocupação acerca da durabilidade e manutenção da função
estrutural do enxerto no longo prazo não estão completamente esclarecidas. Diversos
estudos relatam a sobrevida de 10 anos das revisões com enxerto estrutural, com média
de 74%.[6]
[41]
[42] Resultados não satisfatórios, entretanto, foram relatados por Bauman et al.,[41] que, ao avaliar 70 RATJs, verificaram sobrevida de 80,7% e 75,9% com, respectivamente,
5 e 10 anos de pós-operatório. Dos 16 casos de falha descritos, 8 casos foram atribuídos
à falha do enxerto, que ocorreu em média 42 meses após a cirurgia. Em revisão sistemática,
avaliando 551 RATJs com enxerto homólogo e seguimento médio de 5,9 anos, a incidência
relatada de qualquer tipo de falha do enxerto foi de 6,5%. Infecção profunda ocorreu
em 5,5% dos casos e soltura asséptica em 3,4%.[8]
Cones metafisários de metal trabecular e sleeves metafisários
Cones metafisários de metal trabecular e sleeves metafisários
Os cones e sleeves metafisários representam opção moderna de manejo de grandes falhas ósseas, provendo
imediato suporte estrutural e potencial fixação biológica. Os cones metafisários apresentam
variados tamanhos e modelos, permitindo o tratamento de lesões de variados tamanhos
e configurações. Em resumo, são indicados para tratamento de defeitos AORI tipos 2
e 3.[6]
[17]
[22] A falta de restauração do estoque ósseo, a necessidade de remoção adicional do osso
hospedeiro para correta acomodação dos cones ou sleeves e, caso necessário, a dificuldade de remoção devido à fixação biológica são as principais
desvantagens atribuídas a essa opção.[6]
[11]
[22]
[43]
[44]
A implantação apropriada tanto do cone de tântalo quanto do sleeve necessitam preparação do osso hospedeiro. Inicialmente, os cones metafisários eram
simétricos e não apresentavam especificidade de lado; contudo, com a evolução dos
desenhos, os cones atuais são assimétricos e podem ser metafisários ou diafisários.
Uma variedade de sistemas de implantes pode ser utilizados com cones metafisários,
porém os sleeves são implantes específicos.[6]
[7]
[12]
[17]
[45]
Recomenda-se que ums haste intramedular de teste seja utilizada para obtenção de correto
alinhamento e direcionamento das fresas específicas para preparar o leito e melhor
adaptação do cone ou do sleeve. Uma broca tipo burr também pode se fazer necessária nesse debridamento. Após o posicionamento do cone
metafisário e reparação do defeito, a reconstrução segue com o posicionamento dos
componentes protéticos. Destaca-se que a rotação dos cones deve favorecer o melhor
preenchimento dos defeitos e maior contato com o osso hospedeiro e, assim, são independentes
da rotação dos implantes. Eventuais áreas sem contato do cone metafisário ao osso
hospedeiro devem ser enxertadas para favorecer a integração biológica. A porção interna
dos cones possibilita a cimentação dos componentes protéticos definitivos. Deve-se,
entretanto, ter cuidado com a utilização de haste off set de alguns sistemas, haja vista a possibilidade de dificuldades de se encaixar ao
cone metafisário ([Figuras 2] e [3]).
Fig. 2 (A) e (B) Radiografia pré-operatória de 2° tempo de revisão da artroplastia total
do joelho por falha séptica, apresentando grave defeito ósseo, sobretudo na tíbia
proximal; (C) Aspecto intra-operatório com dos componentes de testes do cone metafisário
e da bandeja tibial; (D) Aspecto intra-operatório com o cone de tântalo implantado
na tíbia e com máximo contato ao osso hospedeiro; (E) e (F) Radiografias pós-operatórias
da revisão com implantes contritos e cone metafisário em tíbia proximal.
Fig. 3 (A) e (B) Radiografias pré-operatórias da falha asséptica de artroplastia total do
joelho com grave defeito femoral distal; (C) cone metafisário de cone de tântalo posicionado
para tratamento do defeito ósseo; (D) Imagem em perfil do componente femoral definitivo
acrescido de cone de tântalo e cunhas femorais distais e posteriores; (E) e (F) Radiografias
pós-operatórias.
O sleeve metafisário se acopla com o componente de revisão, e a construção permite limitada
rotação interna ou externa para ajustar a rotação da bandeja tibial e do componente
metafisário. Os componentes definitivos são implantados com cimento na superfície
da bandeja tibial, deixando o canal medular livre de cimento para integração biológica.
Eventual remoção desses dispositivos porosos pode ser bastante difícil.[7]
[12]
[43]
[45]
[46]
Diversos estudos clínicos utilizando cones de tântalo para o manejo de defeitos ósseos
durante a RATJ demonstraram resultados iniciais favoráveis em curto seguimento, com
necessidade de reoperação em cerca de 1,1%.[43]
[44]
[47]
[48]
[49]
[50]
[51]
Em uma metánalise, avaliando 8 estudos com 196 cirurgias de revisão com a utilização
de 233 cones de tântalo, e com seguimento de até 40 meses, os autores identificaram
apenas 2 casos de soltura asséptica. A recorrência de infecção após troca em dois
tempos foi a principal causa de reoperação.[20]
Revisão sistemática de 20 estudos incluindo 812 cones metafisários foi realizada por
Divano et al.,[21] demonstrando sobrevida de 94,55% em acompanhamento de curto e médio prazo. A incidência
de infecção foi de 7,1%, enquanto que as taxas de reoperação e de revisão foram, respectivamente,
16,19% e 8,19%.
Kamath et al.[52] estudaram 66 revisões utilizando cones de tântalo em defeitos AORI tipos 2 e 3,
com acompanhamento mínimo entre 5 e 9 anos, e identificaram que 23% dos cones apresentavam
linhas de radioluscência incompletas e não progressivas e que 3% (2 cones) apresentaram
soltura asséptica. Desse modo, a sobrevida livre de revisão foi de mais de 96% e,
assim, demonstrando manutenção dos resultados favoráveis no médio e longo prazo.[52] Resultados favoráveis em médio prazo foram, também, corroborados por Potter et al.[53]
Esses resultados favoráveis, entretanto, foram contestados por Bohl et al.,[22] que compararam revisões com a utilização de cones de tântalo com os resultados de
RATJs com implantes convencionais sem utilização de cones e concluíram pela inexistência
de evidências de superioridade com a utilização de cones metafisário.
De modo similar, Beckmann et al.[8] realizaram revisão sistemática comparando 10 estudos com 233 revisões manejadas
com cones de tântalo com 17 trabalhos envolvendo 476 revisões com grandes enxertos
estruturais. Os autores destacaram que, embora os resultados não devam ser considerados
conclusivos, existem fortes indicativos de melhores resultados favoráveis à utilização
do metal trabeculado.
Avaliações de curto prazo dos sleeves metafisários não cimentados foram estudados por Alexander et al.,[54] que demonstraram ser uma opção promissora para tratamento de defeitos ósseos dos
tipos 2B e 3, sendo capazes de prover construção estável para fixação dos implantes.
Em estudo prospectivo, com seguimento de curto prazo de 83 RATJs, utilizando 36 sleeves femorais e 83 tibiais, 2 pacientes (2,7%) necessitaram de revisão por soltura asséptica
no lado tibial.[46] Resultados satisfatórios, com osteointegração de todos os sleeves em curto prazo também foram identificados por Barnett et al.[45]
Próteses não convencionais e megapróteses customizadas
Próteses não convencionais e megapróteses customizadas
Próteses não convencionais ou tumorais e megapróteses customizadas são, geralmente,
utilizadas para substituir o fêmur distal inteiro ou a tíbia proximal inteira. Desse
modo, são usualmente utilizadas em oncologia ou para tratamento de perda óssea severa,
que é tipicamente encontrada em infecção crônica ou após múltiplas cirurgias de reconstrução
articular. Assim sendo, normalmente são indicações de exceção.[12]
[17]
Implantes customizados, normalmente, são dispendiosos, demandam tempo elevado para
ser produzidos e, frequentemente, apresentam elevado risco de complicações infecciosas
e mecânicas.[17]
Fraser et al.[55] estudaram 247 pacientes tratados com megapróteses em dobradiça para tratamento de
defeitos ósseos severos, demonstrando sobrevida livre de revisão de apenas 58% em
8 anos. De modo similar, Holl et al.[56] identificaram elevada incidência de complicações, 11 dos 20 pacientes submetidos
à implantação desse tipo de implante, contudo sem necessidade de amputação. Esses
resultados foram corroborados por Barry et al.,[57] que demonstraram elevado número de complicações e reoperações com esse tratamento,
embora, segundo os autores seja opção viável para salvamento do membro.
Considerações finais
O tratamento adequado dos defeitos ósseos durante a realização das revisões de ATJ
é princípio fundamental para obtenção de resultados satisfatórios e duradouros. Existem
diversas opções de manejos com suas respectivas vantagens e desvantagens, além do
que inexiste uma opção de tratamento da falha óssea que seja ideal em todas as circunstâncias.
Assim sendo, a tomada de decisão e escolha do método empregado é individualizado;
contudo, deve-se objetivar a restauração do estoque ósseo em pacientes com possibilidade
de futuras revisões.