Palavras-chave
fraturas expostas - antibioticoprofilaxia - infecção - tétano
Introdução
As fraturas expostas (FEs) são aquelas que apresentam comunicação do foco fratuário
com o meio externo ou cavidades contaminadas, por meio de uma lesão de partes moles,
o que favorece a contaminação e dificulta a consolidação. Consequentemente, são fraturas
de difícil abordagem clínica e pior prognóstico.[1] Em grandes centros urbanos, a causa mais comum das FEs são os acidentes de trânsito,
com acometimento de indivíduos do sexo masculino, em idade economicamente ativa.[2]
[3]
Existem diversas classificações para FEs, com o objetivo de escalonar a gravidade
das lesões e o grau de contaminação, o que repercute no prognóstico e na escolha do
tratamento.[1] No sistema proposto por Gustilo et al,[4] que leva em consideração a energia do trauma, o grau de lesão de partes moles e
o grau de contaminação, as FEs são classificadas em tipo I, II e III.[1]
[5] Quanto maior o nível da classificação, maior a extensão, gravidade, acometimento
de partes moles, contaminação e, consequentemente, maior risco de infecções.[6]
Visando minimizar a incidência de complicações infecciosas, o tratamento antimicrobiano
é preconizado de preferência iniciando nas primeiras horas do atendimento da FE.[5]
[7] A administração endovenosa de antimicrobiano tem papel protetor contra o desenvolvimento
de infecção[8] e, quanto mais precoce for iniciada, melhor o resultado.[9]
Outra conduta que deve ser observada no tratamento primário da FE é a profilaxia do
tétano,[5]
[9] que é uma doença infecciosa, potencialmente fatal, porém prevenível através da imunização.
A transmissão ocorre pela introdução do bacilo Clostridium tetani em ferimentos geralmente perfurantes, contaminados com terra, poeira, fezes de animais
ou humanas. Clinicamente, a doença se manifesta com sintomas neurotóxicos, decorrentes
da ação da toxina produzida pelo bacilo.[10]
Na Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), as diretrizes para atendimento
inicial dos pacientes com FE são estabelecidas pelo Protocolo Clínico (PC) “Tratamento
Primário das Fraturas Expostas”. Dentre os objetivos deste Protocolo, está a redução
das infecções.[11] Para isso, foram padronizadas diversas condutas, dentre elas as envolvendo o tratamento
inicial das fraturas expostas com antimicrobianos e a profilaxia contra o tétano.
Tanto o tratamento antimicrobiano como a profilaxia antitetânica devem ser empregadas
de maneira racional, objetivando além de garantir a eficácia e segurança no uso dos
antimicrobianos e produtos imunobiológicos, melhor gerenciar os recursos utilizados
na assistência ao paciente.[12]
No entanto, para uma assistência adequada, a mera elaboração e publicação de protocolos
não são suficientes. Também são necessárias estratégias para avaliar se as condutas
acordadas estão sendo aderidas. Uma dessas estratégias é a Auditoria Clínica (AC),
processo estruturado na avaliação da prática clínica segundo normas estabelecidas,
acompanhado de medidas educativas e implementação de mudanças, de acordo com as fragilidades
encontradas.[13]
Assim, o presente estudo, na forma de AC, tem como objetivo avaliar se as condutas
envolvendo o tratamento com antimicrobianos e a profilaxia antitetânica no atendimento
inicial de pacientes com fratura exposta têm sido realizadas de acordo com as diretrizes
estabelecidas pelo PC adotado na instituição.
Métodos
A AC foi realizada por meio de um estudo descritivo e retrospectivo, no qual foram
analisados os atendimentos iniciais para tratamento cirúrgico de FE, realizados no
período de junho a dezembro de 2016, em hospital público estadual especializado em
urgência e trauma. Foram selecionados pacientes de ambos os gêneros, > 18 anos, com
fratura do esqueleto apendicular, exceto fraturas na região da mão, uma vez que seguem
protocolo próprio.
Os dados foram pesquisados nos prontuários médicos, prescrições de medicamentos do
Sistema de Gestão Hospitalar (SIGH), relatórios de pacientes admitidos no Bloco Cirúrgico
para cirurgia de urgência de FE e solicitações de profilaxia antitetânica.
Os pacientes foram caracterizados segundo gênero, idade e procedência. As FEs foram
avaliadas de acordo com o mecanismo do trauma, segmento acometido e classificação
de Gustilo. Osteomielite e infecção de partes moles foram as complicações infecciosas
pesquisadas, sendo estas identificadas através de diagnóstico médico conclusivo registrado
no prontuário do paciente por médicos da equipe de traumatologia.
Para avaliação do tratamento inicial com antimicrobiano(s); o esquema de antimicrobianos
utilizados, doses, período de utilização prescrito, tempo decorrido entre a admissão
e o início do tratamento antimicrobiano e o tempo de espera para a cirurgia foram
confrontados com as recomendações do PC, sendo essas detalhadas no [Quadro 1].
Quadro 1
ANTIMICROBIANOS
|
RECOMENDAÇÕES
|
Tempo para o início
|
Recomenda-se que seja iniciada no período pré- operatório
|
Escolha do antimicrobiano
|
Fraturas do tipo I: cefazolina 1 g EV de 6/6 horas
|
|
Fraturas do tipo II: cefazolina 1 g EV de 6/6 horas + gentamicina 240 mg EV de 24/24 horas
|
|
Esquema alternativo para fraturas dos tipos I e II: clindamicina 600 mg EV de 6/6 horas + Gentamicina 240 mg EV de 24/24 horas
|
|
Fraturas do tipo III: cefazolina 1 g EV de 6/6 horas + gentamicina 240 mg EV de 24/24 horas + metronidazol
500 mg de 6/6 horas
|
|
Fraturas que ocorreram em ambiente rural e nas fraturas com sujeira grosseira deve-se adicionar metronidazol 500 mg de 6/6 horas aos esquemas.
|
Tempo de uso
|
Tipo I e II: 24 horas
|
|
Tipo III : 72 horas
|
PROFILAXIA DO TÉTANO
|
RECOMENDAÇÕES
|
|
Avaliar a necessidade de acordo com o histórico vacinal do paciente.
|
|
Nos casos duvidosos de profilaxia antitetânica prévia: deve-se adicionar metronidazol 500 mg de 6/6 horas aos esquemas.
|
A indicação da profilaxia antitetânica foi avaliada de acordo com o histórico vacinal
do paciente registrado no prontuário. Também foi investigado o período de internação
para abordagem inicial e tratamento da FE, além do fluxo de atendimento aos pacientes
dentro da rede hospitalar.
Na análise estatística, foram obtidas frequências, medidas de tendência central e
de dispersão. Para avaliar a associação entre as variáveis categóricas foi utilizado
o teste qui quadrado de Pearson (χ2), com nível de significância a 5% (p < 0,05). O estudo foi aprovado no Comitê de Ética em pesquisa da instituição sediadora,
protocolo 2.211.687/2017
Resultados
No período estudado, foram identificados 241 pacientes com FE, predominantemente adultos
jovens (64,3%), homens (81,7%), vítimas de acidentes motociclisticos (53,5%). O segmento
anatômico mais acometido foram os membros inferiores (82,6%) ([Tabela 1]).
Tabela 1
Variáveis
|
Pacientes que receberam tratamento primário de fratura exposta
|
(n = 241)
|
n
|
(%)
|
Gênero
|
Homens
|
197
|
81,7
|
Mulheres
|
44
|
18,3
|
Faixa etária (37,2 ± 16,0 anos; 18–86 anos)
|
18–39 anos
|
155
|
64,3
|
40–59 anos
|
62
|
25,7
|
≥ 60 anos
|
24
|
10,0
|
Procedência
|
RMBH
|
192
|
79,7
|
Interior do Estado de MG
|
48
|
19,9
|
Não informado
|
1
|
0,4
|
Mecanismo do trauma
|
Acidente automobilístico
|
15
|
6,2
|
Acidente de bicicleta
|
5
|
2,1
|
Acidentes com máquinas
|
10
|
4,1
|
Acidente motociclístico
|
129
|
53,5
|
Agressão física
|
5
|
2,1
|
Atropelamento
|
33
|
13,7
|
Agressão por arma de fogo ou branca
|
8
|
3,3
|
Queda
|
32
|
13,3
|
Outros
|
4
|
1,7
|
Segmento anatômico acometido
|
Membro inferior
|
199
|
82,6
|
Membro superior
|
38
|
15,8
|
Membro inferior + membro superior
|
4
|
1,6
|
Quanto à classificação de Gustilo, foram identificadas 48 (20,0%) fraturas do tipo
I, 46 (19,0%) do tipo II e 52 (21,6%) do tipo III. A classificação não foi registrada
em prontuário em 39,4% das FEs. Complicações infecciosas, após a abordagem inicial,
ocorreram em 18,7% das FEs, principalmente nas fraturas do tipo III (36,5%).
O tempo médio de espera para a cirurgia de urgência foi de 4 horas e 12 minutos ± 3
horas e 18 minutos, variando entre 38 minutos até 21 horas e 7 minutos, sendo que
199 (82,6%) pacientes foram operados até 6 horas após a admissão. O tratamento antimicrobiano
foi prescrito no pré-operatório para 221 (91,7%) pacientes, e 172 (71,7%) tiveram
prescrição do tratamento com antimicrobianos em até 3 horas após a admissão. Houve
associação estatisticamente significativa entre complicação infecciosa e fratura do
tipo III (p = 0,0014), tratamento antimicrobiano iniciado no período pós-operatório (p = 0,0362) e tratamento antimicrobiano iniciado após 3 horas da admissão do paciente
(p = 0,0350), dados estes apresentados na [Tabela 2].
Tabela 2
Variáveis
|
Pacientes com fratura exposta (n = 241)
|
Complicações infecciosas
|
valor-p*
|
|
|
SIM (n = 45)
|
NÃO (n = 196)
|
|
|
n
|
(%)
|
n
|
(%)
|
n
|
(%)
|
|
Classificação da FE
|
|
|
|
|
|
|
|
Tipo I
|
048
|
(20,0)
|
05
|
(10,4)
|
043
|
(89,6)
|
p = 0,0014
|
Tipo II
|
046
|
(19,0)
|
04
|
(08,7)
|
042
|
(91,3)
|
|
Tipo III
|
052
|
(21,6)
|
19
|
(36,5)
|
033
|
(63,5)
|
|
Não classificada
|
095
|
(39,4)
|
17
|
(17,9)
|
078
|
(82,1)
|
|
Tempo decorrido entre a admissão do paciente e a abordagem cirúrgica
|
|
|
|
|
|
|
|
≤ 6 horas
|
199
|
(82,6)
|
37
|
(18,6)
|
162
|
(81,4)
|
p= 0,4621
|
> 6 horas
|
042
|
(17,4)
|
08
|
(19,0)
|
034
|
(81,0)
|
|
Tempo decorrido entre a admissão do paciente e o inicio do tratamento antimicrobiano
|
|
|
|
|
|
|
|
Pré-operatório
|
221
|
(91,7)
|
38
|
(17,2)
|
183
|
(82,8)
|
p =0,0362
|
Pós-operatório
|
020
|
(08,3)
|
07
|
(35,0)
|
013
|
(65,0)
|
|
≤ 3 horas após admissão
|
172
|
(71,7)
|
27
|
(15,7)
|
145
|
(84,3)
|
p = 0,0350
|
> 3 horas após admissão
|
069
|
(28,3)
|
18
|
(26,1)
|
051
|
(73,9)
|
|
TOTAL
|
241
|
(100)
|
45
|
(18,7)
|
196
|
(81,3)
|
|
Do total de 241 pacientes, 74 (30,7%) foram excluídos da avaliação do tratamento antimicrobiano
por falta de registro da classificação da fratura e inexistência de critério para
uso do tratamento antimicrobiano para fratura tipo III, nos casos de trauma há mais
de 6 horas.
As inadequações relativas à escolha do esquema antimicrobiano, doses prescritas e
a duração do tratamento antimicrobiano superaram as adequações, conforme representado
na [Figura 1].
Fig. 1 Distribuição das adequações e inadequações dos esquemas de antimicrobianos, doses
prescritas e duração da prescrição, de acordo com as diretrizes do Protocolo Clínico
“Tratamento Primário das Fraturas Expostas” – FHEMIG, período de junho a dezembro
de 2016, Hospital João XXIII, Belo Horizonte – MG. Fonte: os autores.
Em relação aos agentes antimicrobianos, 59,3% dos pacientes foram expostos a associações
não recomendadas no PC. A maior porcentagem de inadequações foi observada nos portadores
de FE do tipo III e/ou trauma com ocorrência há mais de 6 horas (75,0%) e nos portadores
de FE do tipo II (40,0%). As principais inadequações foram, respectivamente, ausência
da prescrição médica do metronidazol para cobertura contra bactérias anaeróbicas (55,5%)
e a ausência da prescrição médica da gentamicina para cobertura ampliada contra Gram
negativos (87,4%) ([Tabela 3]).
Tabela 3
TRATAMENTO ANTIMICROBIANO
|
Pacientes (n = 167)
|
n
|
(%)
|
Tipo I
|
|
|
Adequada
|
20
|
(64,5)
|
Inadequada
|
11
|
(35,5)
|
Trauma ocorrido em ambiente rural e/ou contaminação com sujidades sem cobertura para
anaeróbicos
|
03
|
(27,3)
|
Cobertura ampliada para Gram (-) desnecessária
|
03
|
(27,3)
|
Cobertura ampliada para Gram (-) e anaeróbicos desnecessária
|
04
|
(36,3)
|
Esquema alternativo: Clindamicina não associada à gentamicina
|
01
|
(09,1)
|
Tipo II
|
|
|
Adequada
|
24
|
(60,0)
|
Inadequada
|
16
|
(40,0)
|
Trauma ocorrido em ambiente rural e/ou contaminação com sujidades sem cobertura para
anaeróbico
|
01
|
(06,3)
|
Sem cobertura ampliada para Gram (-)
|
14
|
(87,4)
|
Cobertura desnecessária para anaeróbicos
|
01
|
(06,3)
|
Tipo III e/ou trauma há mais de 6 horas
|
|
|
Adequada
|
24
|
(25,0)
|
Inadequada
|
72
|
(75,0)
|
Sem cobertura para anaeróbicos
|
40
|
(55,5)
|
Sem cobertura ampliada para Gram (-) e anaeróbicos
|
21
|
(29,2)
|
Sem cobertura ampliada para Gram (-)
|
06
|
(08,3)
|
Uso de antimicrobiano não recomendado (ceftriaxona)
|
05
|
(06,9)
|
Adequações
|
68
|
(040,7)
|
Inadequações
|
99
|
(059,3)
|
Considerando o total de 438 antimicrobianos prescritos para os esquemas de tratamentos
avaliados, 254 (58,0%) apresentaram doses diárias divergentes do PC. A maior parte
das inadequações ocorreu nas prescrições de cefazolina (93,0%) e de clindamicina (86,0%).
Ao contrário, a maioria das doses prescritas de metronidazol (65,0%) estavam adequadas.
Quanto à gentamicina, todas as doses observadas estavam de acordo com o PC ([Figura 2]).
Fig. 2 Análise das adequações e inadequações relacionadas às doses dos antimicrobianos prescritos,
de acordo com o Protocolo “Tratamento Primário das Fraturas Expostas” – FHEMIG, período
de junho a dezembro de 2016, Hospital João XXIII, Belo Horizonte – MG. Fonte: os autores.
Quanto à duração, 63,5% dos tratamentos com antimicrobianos permaneceram prescritos
por tempo inadequado. Os resultados mais expressivos foram observados nos portadores
de FE de tipos I e II (95,6%), que foram expostos ao tratamento antimicrobiano por
período superior a 24 horas ([Figura 3]).
Fig. 3 Análise das adequações e inadequações relacionadas ao tempo de prescrição do tratamento
com antimicrobianos, de acordo com as diretrizes do Protocolo “Tratamento Primário
das Fraturas Expostas”, período de junho a dezembro de 2016, Hospital João XXIII,
Belo Horizonte – MG. Fonte: os autores.
O período médio de prescrição de antimicrobianos nos portadores de FE tipos I e II
foi de 4 dias, com variação entre 1 a 10 dias, enquanto que no PC a indicação seria
de apenas 1 dia. Já nos portadores de FE do tipo III e/ou trauma com ocorrência há
mais de 6 horas, o período médio de prescrição obtido foi de 3 dias, com variação
entre 1 a 9 dias, sendo que o tempo indicado no PC seria de 3 dias. Em termos globais,
observou-se que a média de duração da prescrição de antimicrobianos foi maior nos
pacientes transferidos para outras unidades da rede hospitalar (4 dias, com variação
entre 1 a 10 dias) do que nos pacientes que permaneceram no hospital de origem (3
dias, com variação entre 1 a 8 dias).
Com relação à profilaxia antitetânica, não foram localizados nos prontuários os registros
do histórico vacinal de 207 (85,9%) portadores de FE, bem como não houve prescrição
da imunização para esses pacientes. Somente 34 (14,1%) pacientes foram imunizados,
sendo que 28 (82,3%) estavam internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Quanto ao fluxo de atendimento aos pacientes, 124 (51,4%) portadores de FE foram transferidos
para outras unidades da rede hospitalar, 91 (37,8%) completaram o tratamento no hospital
que realizou o atendimento inicial, 21 (8,7%) foram transferidos para hospitais da
rede privada e 5 (2,1%) foram a óbito. O tempo médio de permanência na rede hospitalar
foi de 16 dias, sendo maior nos portadores de FE do tipo III (25 dias) e naqueles
que tiveram complicações infecciosas (37 dias), conforme a [Tabela 4].
Tabela 4
Variáveis
|
Tempo de Permanência
(Dias)
|
Hospital que Realizou o Tratamento Inicial
|
Outra Unidade da Rede Hospitalar
|
Total na Rede Hospitalar
|
Média
|
MD
|
AMP
|
Média
|
MD
|
AMP
|
Média
|
MD
|
AMP
|
Classificação da fratura
|
|
Tipo I
|
10
|
04
|
1–35
|
11
|
08
|
1–41
|
15
|
09
|
1–137
|
Tipo II
|
05
|
02
|
1–42
|
09
|
05
|
1–48
|
10
|
06
|
1–60
|
Tipo III
|
17
|
09
|
1–93
|
14
|
13
|
1–72
|
25
|
19
|
1–107
|
Sem classificação
|
07
|
04
|
1–79
|
09
|
07
|
1–50
|
13
|
08
|
1–77
|
Complicação infecciosa
|
|
Sem infecção
|
07
|
04
|
1–079
|
07
|
04
|
1–41
|
12
|
07
|
1–77
|
Com infecção
|
21
|
15
|
1–135
|
16
|
12
|
1–72
|
37
|
30
|
4–137
|
Total
|
0 9
|
04
|
1–135
|
11
|
8
|
1–72
|
16
|
09
|
1–137
|
Discussão
Com o desenvolvimento tecnológico e diante da diversidade de opções diagnósticas e
terapêuticas existentes, os PC surgiram para reduzir a variabilidade de condutas adotadas
e auxiliar os profissionais da área da saúde na tomada de decisão, de forma a garantir
a qualidade e segurança da assistência prestada ao paciente. São elaborados após um
amplo estudo das melhores evidências científicas e consensos disponíveis na literatura
sobre determinado assunto.[14]
O PC que norteou a AC padronizou o tratamento com antimicrobianos no primeiro atendimento
de pacientes com FE, de acordo com a classificação da fratura, o que auxilia na escolha das melhores condutas e na previsão do prognóstico. Apesar
disso, o estudo evidenciou uma expressiva frequência de fraturas sem registro de classificação
no prontuário. Tal inadequação inviabilizou a avaliação do uso de antimicrobianos
nessas fraturas, exceto naquelas com trauma ocorrido há mais de 6 horas, pois, neste
caso, o esquema recomendado é o mesmo utilizado para pacientes com fratura do tipo
III.
O perfil epidemiológico dos participantes do estudo foi semelhante ao encontrado na
literatura, com maior acometimento de jovens do sexo masculino.[15]
[16]
[17]
[18] Esse fato pode ser explicado pela maior exposição dessa população aos acidentes
de trânsito, especialmente os motociclísticos.
A taxa de infecção encontrada (18,7%) foi condizente com o resultado de um estudo
realizado em hospital de pronto-atendimento localizado em Canoas, RS (18,8%).[18] Entretanto, outros estudos, sendo um nacional[16] e um internacional,[19] encontraram taxas menores, de 10,0% e 13,2%, respectivamente. A significativa associação
entre complicações infecciosas e fratura do tipo III encontrada na AC é uma relação
já bem estabelecida na literatura.[18]
[19]
A AC também evidenciou que o tempo médio de espera para cirurgia de urgência foi de
4 horas e 12 minutos, resultado este abaixo do limite de 6 horas recomendado no PC.
Um estudo realizado no Canadá encontrou tempo médio de espera de 9 horas e 15 minutos.[17] Assim como em outras publicações, na AC não foi demonstrada associação entre o tempo
de espera para a cirurgia de urgência e a presença de complicações infecciosas.[16]
[17]
A associação positiva entre menor frequência de complicações infecciosas e tempo entre
a admissão e o início do tratamento antimicrobiano encontrada na auditoria também
foi observada no estudo descritivo de Lack et al.[20] Embora o PC recomende que o inicio do uso de antimicrobianos deva ser instituído
no período pré-operatório, sem estabelecer o limite de tempo entre a admissão e o
início do tratamento, estudos demonstraram que o atraso na administração de antimicrobianos
além de 3 horas está relacionado ao maior risco de infecções.[21]
Foi considerado preocupante o fato das maiores taxas de inadequação do emprego de
antimicrobianos ter ocorrido nas FEs dos tipos II e III, uma vez que essas fraturas
são as que têm maior propensão de complicações infecciosas.[22]
No PC, a posologia dos antimicrobianos foi definida levando-se em conta o perfil epidemiológico
das FEs no cenário de estudo, para indivíduos com peso médio de 70 Kg, considerando-se
predominância de adultos jovens, previamente hígidos. Esta padronização visa facilitar
o manejo desses agentes em situações de emergência, além de garantir o uso racional
dos antimicrobianos, evitando-se doses, frequências e/ou períodos de uso inadequados.
Porém, o PC não prevê situações nas quais outros perfis de indivíduos são acometidos
de FE, como obesos, quando a dose de antimicrobiano deve ser individualizada e calculada
de acordo com o peso corporal. Por este motivo, doses de antimicrobianos não padronizados
no PC foram consideradas inadequadas, embora estejam na faixa terapêutica estabelecida
pela literatura, quando se leva em conta o peso corporal do paciente. Desse modo,
é importante que esses casos sejam previstos no PC, flexibilizando-se as doses dos
antimicrobianos de acordo com as características individuais dos pacientes.[23]
[24]
O período prolongado de prescrição dos antimicrobianos foi um dos resultados que mais
chamou atenção, principalmente nas FEs dos tipos I e II, com utilização por tempo
médio quatro vezes superior à recomendação do PC. Cabe também ressaltar que a maior
duração do tratamento antimicrobiano ocorreu na transição do cuidado para outras unidades
da rede hospitalar, provavelmente por falha na consulta ao prontuário sobre o tempo
de uso do antimicrobiano pelo paciente no hospital de origem. Apesar das controvérsias
entre diversos autores sobre a duração apropriada do tratamento antimicrobiano, estudos
atuais demonstram que o aumento do tempo de exposição não tem influência na redução
das taxas de complicações infecciosas.[25]
[26] Um estudo retrospectivo caso controle que comparou a taxa de infecção entre pacientes
com FE submetidos ao uso de antimicrobianos por períodos que variaram de 1 a > 5 dias
não indicou diferenças significativas no risco de infecção, inclusive nas FEs do tipo
III.[25] Além de não trazer benefícios, a duração prolongada do tratamento antimicrobiano
expõe os pacientes ao maior risco de eventos adversos, desenvolvimento de resistência
bacteriana, aumento do tempo de permanência hospitalar e elevação dos custos relacionados
à assistência.[5]
[6]
Com relação à profilaxia antitetânica, o PC somente menciona que a profilaxia deve
ser realizada, sem detalhar as condutas, que devem ser baseadas nas diretrizes nacionais.[11] Recomenda apenas associação de metronidazol para pacientes com histórico de vacinação
desconhecido ou incerto, devido à atividade antianaeróbica deste agente, o que reduz
a carga bacteriana no foco da inoculação e evita a produção da toxina do tétano.[27] No entanto, a utilização do metronidazol não exclui a necessidade de imunoprofilaxia.
Entretanto, no período auditado, não havia registro do histórico vacinal para a totalidade
dos portadores de FE, o que foi considerado uma grave inadequação, tendo em vista
as prováveis oportunidades perdidas de vacinação. Desse modo, na presença de FE, é
necessario averiguar e registrar em prontuário o histórico vacinal do paciente, para
adoção das estratégias adequadas.
A atuação do farmacêutico clínico na UTI, na revisão de cuidados básicos aplicáveis
a pacientes críticos, o que inclui a investigação do estado vacinal, talvez possa
explicar que a maior parte dos pacientes com FE imunizados estavam internados nesta
unidade. Resultados positivos com a participação do farmacêutico na equipe de tratamento
do trauma já foram relatados em outros trabalhos, o que reforça a importância desse
profissional como membro da equipe multidisciplinar de cuidado ao paciente.[28]
Como limitação do presente estudo, é importante comentar o fato de que a pesquisa
objetivou avaliar somente o cumprimento do PC pela equipe de traumatologia, quanto
ao primeiro atendimento dos pacientes com FE, não sendo consideradas as demais comorbidades
ou lesões apresentadas por esses pacientes. Tal fato pode ter influenciado nos resultados
do estudo, visto que os pacientes mais graves poderiam ter a primeira abordagem ortopédica
adiada para privilegiar o atendimento das condições de maior urgência, o que influenciaria
em critérios avaliados no estudo, como no tempo para a primeira abordagem cirúrgica,
período de internação e incidência de complicações infecciosas.
Conclusão
O presente estudo permitiu identificar as divergências em relação ao PC adotado pela
instituição, sendo que as inadequações mais expressivas foram observadas nas escolhas
dos esquemas de antimicrobianos utilizados, doses e tempo de tratamento, bem como
na profilaxia antitetânica.