CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2019; 54(03): 268-274
DOI: 10.1055/s-0039-1692458
Artigo Original | Original Article
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revnter Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Lesão do tendão flexor: sutura na região avascular ou vascularizada? Estudo biomecânico e histopatológico em coelhos[]

Article in several languages: português | English
1   Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
,
Sergio Swain Muller
1   Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
,
Kunie Iabuk Rabello Coelho
2   Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
,
Denis Varanda
1   Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
,
Andrea Christina Cortopassi
1   Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
,
Gilberto José Cação Pereira
1   Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
› Author Affiliations
Further Information

Address for correspondence

Trajano Sardenberg, MD, PhD
Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP)
Av. Prof. Mário Rubens Montenegro s/n, Botucatu, SP 18618687
Brasil   

Publication History

29 January 2018

10 July 2018

Publication Date:
27 June 2019 (online)

 

Resumo

Objetivos Analisar os aspectos mecânicos e histopatológicos da cicatrização do tendão flexor com interesse no local de colocação da sutura, na região vascularizada ou avascular.

Métodos Um total de 83 coelhos foram submetidos à sutura central tipo Kessler na região de tendão vascularizado (grupo TN) e na de tendão avascular (grupo FC). O membro operado foi imobilizado por 3 semanas. Os animais foram sacrificados no período imediato, e a 2, 3 e 6 semanas de pós-operatório. As propriedades mecânicas estudadas foram: carga máxima, tensão na carga máxima, módulo de elasticidade, energia na carga máxima e energia por área. O tendão contralateral foi utilizado como controle. O estudo histopatológico foi descritivo.

Resultados A análise das propriedades mecânicas demonstrou comportamento semelhante em ambos os grupos, com estabilização ou discreto aumento no período imediato com 3 semanas e aumento acentuado com 6 semanas. A histopatologia demonstrou processo de cicatrização semelhante nos grupos TN e FC.

Conclusão A colocação da sutura central na região vascularizada ou fibrocartilaginosa avascular não apresenta diferenças em relação aos aspectos biomecânicos e histopatológicos na cicatrização do tendão flexor profundo dos dedos do pé do coelho.


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Introdução

No tratamento das lesões dos tendões flexores na zona II, a colocação da sutura central na região palmar do tendão, com a intenção de limitar a lesão vascular, é a orientação clássica.[1] [2] Porém, estudos experimentais concluíram que o posicionamento dorsal da sutura central apresenta maior resistência do que o palmar.[3] [4] [5] [6] [7] A incerteza entre colocar a sutura central na região dorsal do tendão e obter maior resistência, eventualmente prejudicando a irrigação sanguínea do tendão ou colocar a sutura na região palmar para preservar a irrigação, porém com menor resistência, persiste na prática cirúrgica.[8]

O objetivo do presente estudo foi analisar os aspectos mecânicos e histopatológicos da cicatrização do tendão flexor com interesse no local de colocação da sutura, na região vascularizada ou avascular.


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Material e Métodos

O projeto do presente estudo foi previamente aprovado pela Comissão de Ética em Experimentação Animal da instituição.

Foram utilizados 83 coelhos da raça Norfolk, do sexo masculino, com peso entre 1.500 g e 2.000 g e idade de ∼ 90 dias.

Os animais foram divididos em grupos de acordo com a localização da sutura: grupo tendão normal (TN), com sutura na região vascularizada; e grupo fibrocartilagem (FC), com sutura na região avascular. Cada grupo foi subdividido em quatro subgrupos de acordo com o tempo de seguimento pós-operatório, que foram de imediato e de 2, 3 e 6 semanas ([Tabelas 1] e [2]).

Tabela 1

Subgrupo

Imobilização

(semanas)

Seguimento

(semanas)

Número de animais (n = 42)

Biomecânica

Histopatologia

TN0 [*]

0

0

6

0

TN2

2

2

6

4

TN3

3

3

6

6

TN6

3

6

6

8

Tabela 2

Subgrupo

Imobilização

(semanas)

Seguimento

(semanas)

Número de animais (n = 41)

Biomecânica

Histopatologia

FC0 [*]

0

0

6

0

FC2

2

2

6

5

FC3

3

3

6

5

FC6

3

6

6

7

O tendão utilizado foi o flexor profundo dos dedos do pé, na região do tornozelo, dentro de canal osteofibroso, envolto por tecido sinovial, onde apresenta nódulo de forma elíptica, no qual se observa uma região com epitendão e vasos sanguíneos, denominada na presente investigação de tendão normal, e uma região esbranquiçada e avascular, denominada de tendão fibrocartilaginoso.[9] [10] [11] A lesão do tendão foi realizada por meio de acesso cirúrgico medial na região do tornozelo e secção transversal completa do tendão no centro do nódulo. O tendão contralateral foi utilizado como controle.

O reparo foi realizado com ponto tipo Kessler utilizando-se fio monofilamentar de náilon 4.0 (agulha triangular 2,0 cm, Point Suture, Fortaleza, Ceará, Brasil) colocado na região vascularizada no Grupo TN e na região avascular do tendão no Grupo FC, completada por sutura circunferencial com fio monofilamentar de náilon 6.0 (agulha cilíndrica 1,5 cm, Ethicon, São Paulo, São Paulo, Brasil). A extremidade operada foi imobilizada com tala plástica mantendo o tornozelo e os dedos em extensão ([Fig. 1]).

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Fig. 1 (A) Sutura utilizada no grupo tendão normal vascularizado (TN). (B) Sutura utilizada no grupo fibrocartilagem avascular (FC). (C) Animal com o membro pélvico operado imobilizado.

Após o sacrifício dos animais, os tendões foram retirados no tamanho de 4 cm, fixados em garras metálicas sinusoidais com distância de 20 mm e local da cicatrização central. As garras foram montadas axialmente em máquina universal de ensaio mecânico com célula de carga de 1000N (EMIC - Equipamentos e Sistemas de Ensaio Ltda., Modelo DL 10000, Curitiba, Parana, Brasil) e velocidade de aplicação de carga de 30 mm/minuto. A área de secção do tendão foi obtida por meio da medida da área elíptica da região do nódulo do tendão contralateral não operado, sendo este valor utilizado no cálculo das propriedades mecânicas materiais dos tendões operados e não operados.

As propriedades mecânicas estudadas foram: carga máxima (N) e energia na carga máxima (N.10–3), denominadas de estruturais e, tensão na carga máxima (MPa), módulo de elasticidade (MPa) e energia por área (N.10–3/mm2), denominadas de materiais, dependentes, portanto, da área de secção para o cálculo. Os aspectos histopatológicos foram estudados por meio de microscopia óptica com as colorações de hematoxilina e eosina (H&E), tricrômico de Masson, e picrossíruis red com luz polarizada.

O estudo estatístico das variáveis das propriedades mecânicas, segundo o local da sutura central (grupos TN e FC), momentos experimentais (imediato, 2, 3 e 6 semanas) e lado (operado e controle contralateral) foi realizado pela técnica da análise de variância (ANOVA) não paramétrica para o modelo de dois fatores em medidas repetidas, complementado com os respectivos testes de comparações múltiplas.[12] A discussão dos resultados foi realizada no nível de 5% de significância.


#

Resultados

Propriedades mecânicas

As [Tabelas 3] [4] [5] [6] [7] apresentam as medianas, os valores mínimo e máximo das propriedades mecânicas estudadas em ambos os grupos (TN e FC), lado operado e controle, nos quatro momentos experimentais acompanhados pelas letras de comparação (análise estatística).

Tabela 3

Tempo

(semanas)

Sutura

Lado

Controle

Operado

0

TN

189 (138–254) aAβ

25 (22–29) aAα

FC

149 (119–200) aAβ

29 (20–39) aAα

2

TN

172 (149–228) aAβ

29 (19–33) aAα

FC

171 (119–185) aAβ

32 (16–35) aAα

3

TN

195 (119–240) aAβ

29 (15–40) aAα

FC

139 (134–196) aAβ

32 (20–48) aAα

6

TN

174 (156–293) aAβ

91 (68–119) aBα

FC

208 (185–300) aBβ

89 (55–98) aBα

Tabela 4

Tempo

(semanas)

Sutura

Lado

Controle

Operado

0

TN

514 (291–638) bAβ

53 (14–75) aAα

FC

282 (209–522) aABβ

66 (46–108) aABα

2

TN

376 (320–580) aAβ

43 (18–76) aAα

FC

383 (216–463) aABβ

53 (18–101) aAα

3

TN

374 (184–524) aAβ

34 (12–54) aAα

FC

248 (176–347) aAβ

51 (28–99) aAα

6

TN

412 (308–899) aAβ

139 (87,5–239) aBα

FC

507 (260–1043) aAβ

107 (78–169) aBα

Tabela 5

Tempo

(semanas)

Sutura

Lado

Controle

Operado

0

TN

22 (16–32) aAβ

3,1 (2,7–3,4) aAα

FC

17 (14–22) aAβ

3,4 (2,2–4,7) aAα

2

TN

21 (18–27) aAβ

3,5 (2,2–3,8) aAα

FC

20 (13–23) aAβ

3,5 (1,9–4,2) aAα

3

TN

22 (15–27) aAβ

3,7 (1,9–4,3) aAα

FC

18 (14–32) aAβ

4,1 (2,9–7,8) aABα

6

TN

21 (18–40) aAβ

11,9 (7,5–13,6) aBα

FC

25 (20–29) aAβ

9,9 (4,5–13) aBα

Tabela 6

Tempo

(semanas)

Sutura

Lado

Controle

Operado

0

TN

119 (95,5–193) aAβ

16 (15–49) aAα

FC

99 (87–120) aAβ

17 (10–22) aAα

2

TN

114 (89–131) aAβ

31 (2,8–41) aAα

FC

114 (72–144) aAβ

30 (14–37) aAα

3

TN

164 (121–219) aAβ

35 (12–43) aAα

FC

135 (62–265) aAβ

37 (14–123) aAα

6

TN

161 (96–195) aAβ

72 (55–91) aBα

FC

119 (96–261) aAβ

71 (40–148) aBα

Tabela 7

Tempo

(semanas)

Sutura

Lado

Controle

Operado

0

TN

63 (35–76) bAβ

6,3 (1,7–8,3) aAα

FC

33 (25–60) aAβ

7,7 (5,0–12,8) aAα

2

TN

44 (39–69) aAβ

5,1 (2–8,9) aAα

FC

44 (26–55) aAβ

6,3 (2,1–11,0) aAα

3

TN

44 (27–57) aAβ

4,1 (1,5–6,6) aAα

FC

38 (21–55) aAβ

7,1 (4,2–15,8) bAα

6

TN

48 (34–108) aAβ

20 (11–25) aBα

FC

56 (39–87) aAβ

13 (7–18) aBα

As [Figs. 2] e [3] ilustram os resultados obtidos para cada propriedade mecânica.

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Fig. 2 Propriedades biomecânicas estruturais. (A) Medianas da Carga Máxima (N) dos grupos TN e FC, lado operado, nos quatro momentos experimentais; (B) Medianas da Energia na Carga Máxima (N.10–3 m) dos grupos TN e FC, lado operado, nos quatro momentos experimentais.
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Fig. 3 Propriedades biomecânicas materiais. (A) Medianas da Tensão na Carga Máxima (MPa) dos grupos TN e FC, lado operado, nos quatro momentos experimentais; (B) Medianas do Módulo de Elasticidade (MPa) dos grupos TN e FC, lado operado, nos quatro momentos experimentais; (C) Medianas da Energia/Área (N.mm/mm2) dos grupos TN e FC, lado operado, nos quatro momentos experimentais.

As rupturas ocorreram sempre no local da sutura ou da cicatrização dos tendões em ambos os grupos experimentais. Nos tendões íntegros não operados, utilizados como controle, as rupturas ocorreram sempre no segmento entre a garra e o nódulo.


#

Análise Histopatológica

O processo de cicatrização tendínea ocorreu de modo semelhante em ambos os grupos experimentais, havendo diferenças somente nos subgrupos, relacionadas à evolução temporal dos fenômenos observados.

Com 2 semanas de evolução pós-operatória, quando o espaço entre os cotos tendíneos era amplo, ocorreu preenchimento principalmente por exsudato de fibrina e proliferação de tecido de granulação. Nas situações em que o espaço entre os cotos tendíneos era menor, houve preenchimento predominantemente por tecido de granulação com edema intersticial, focos irregulares de depósitos de fibrina e de discreto infiltrado inflamatório mononuclear permeado por poucos eosinófilos. Este tecido de granulação, na região central do espaço, proliferou a partir dos vasos do interstício dos cotos tendíneos com deposição irregular de fibras colágenas ainda imaturas. Em parte das amostras, a presença de pequeno espaço entre os cotos esteve acompanhada de deposição de fibras colágenas com disposição paralela ao eixo longitudinal do tendão, que se coraram pelo tricrômico de Masson e demonstraram fibras delicadas e refringentes quando examinadas na coloração de picrossírius red com luz polarizada. Nas zonas periféricas, o tecido de granulação se originou a partir dos tecidos peritendíneos, formando aderências com a derme e tecido sinovial circunjacentes; a deposição de colágeno nessas zonas apresentou disposição irregular. Em meio ao processo de reparação, identificaram-se granulomas do tipo corpo estranho que circundavam os fios de sutura e interrompiam a continuidade da deposição regular de colágeno.

Nos animais sacrificados com 3 semanas de pós-operatório, houve redução do edema intersticial no tecido de granulação, ausência dos depósitos de fibrina, presença de infiltrado inflamatório mononuclear mínimo e deposição de colágeno mais denso em relação ao observado no período de 2 semanas.

Na 6ª semana de pós-operatório, a maior parte do tecido de granulação foi substituída por depósito de colágeno denso, de maneira semelhante ao tecido tendíneo dos cotos, em arranjo paralelo ao eixo longitudinal do tendão; quando corado pelo picrossírius red e examinado com luz polarizada, o colágeno reparativo foi caracterizado por fibras mais delicadas e refringência pouco menos intensa quando comparado ao observado no tecido tendíneo dos cotos. Os granulomas tipo corpo estranho que envolvem os fios de sutura e as aderências aos tecidos dérmicos e sinoviais nas zonas periféricas foram observados em todos os momentos experimentais, com progressivo aumento da densidade do colágeno cicatricial.

A [Fig. 4] ilustra os resultados observados nos períodos de 2, 3 e 6 semanas de pós-operatório.

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Fig. 4 (A) Duas semanas de pós-operatório – espaço entre os cotos encontra-se preenchido por tecido de granulação com discreto edema intersticial e infiltrado inflamatório mononuclear; observa-se, à esquerda do espaço, tecido de granulação a partir do interstício das fibras tendíneas do coto (Hematoxilina-eosina – aumento original 100x); (B) Três semanas de pós-operatório - presença de colágeno denso com intensa refringência no coto tendíneo (*), em continuidade com deposição de colágeno menos refringente e mais delicado, no espaço entre os cotos tendíneos(♢) (picrossírius red com luz polarizada – aumento original 100x); (C) Seis semanas de pós- operatório – há distinção entre o colágeno do coto (*), mais denso e refringente, em relação ao colágeno cicatricial, mais delicado, menos refringente e com arranjo paralelo ao eixo longitudinal do tendão (♢) (picrossírius red com luz polarizada – aumento original 100x).

#
#

Discussão

O comportamento mecânico e morfológico dos tendões suturados foi semelhante na maioria dos parâmetros estudados nos animais dos grupos TN e FC, indicando que não houve diferenças na cicatrização tendínea em relação à região de localização do ponto central de sutura, na região de tendão normal vascularizada ou na região de tendão fibrocartilaginoso avascular.

Os ensaios mecânicos realizados imediatamente após o reparo (subgrupos TN0 e FC0) avaliaram a resistência inicial da sutura. Soejima et al[4] e Stein et al[13] realizaram estudos semelhantes por meio de ensaios mecânicos lineares e com tendões isolados. Soejima et al[4] encontraram perfil mecânico superior na sutura colocada na face dorsal, enquanto Stein et al[13] não observaram diferenças em relação ao local da sutura. Estudos semelhantes, porém por meio de ensaios mecânicos curvilíneos, demonstraram perfil mecânico superior na sutura colocada na face dorsal.[3] [5] [6] [7] [14] É possível supor que o teste linear, realizado na presente investigação, anule o efeito mecânico de transmissão de maior tensão na face dorsal que na face palmar do tendão flexor. Além disso, a sutura periférica circunferencial contínua, que pode aumentar em até 50% a resistência do reparo central, pode ter equalizado os reparos realizados nas regiões de tendão normal e fibrocartilaginoso.[15]

Os ensaios mecânicos realizados nos períodos de 2, 3 e 6 semanas de pós-operatório avaliaram a resistência da cicatriz tendínea. As propriedades mecânicas estudadas nos grupos TN e FC não apresentaram diferenças estatísticas significativas, com exceção da energia por área no período de 3 semanas de pós-operatório, no qual o Grupo FC apresentou valores maiores do que o Grupo TN. Estes resultados indicam que não houve diferença no processo de cicatrização tendínea em relação à localização do ponto central da sutura. A colocação do ponto central da sutura na região vascularizada do tendão (Grupo TN) poderia, em teoria, agredir o suprimento sanguíneo e prejudicar a cicatrização. No entanto, a imobilização da extremidade operada por 3 semanas no pós-operatório provavelmente favoreceu os mecanismos extrínsecos de cicatrização e diminuiu o possível efeito deletério da sutura na região vascularizada do tendão. A presença de aderências aos tecidos dérmicos e sinoviais, observadas na histologia em ambos os grupos e em todos os momentos experimentais, na região periférica da cicatriz tendinosa, sugere o predomínio dos mecanismos extrínsecos de cicatrização, fato também observado por Wada et al.[16]

No período de 3 semanas, a energia por área foi maior no Grupo FC. A energia por área pode ser caracterizada como a capacidade do corpo de prova de absorver impacto e, nos materiais viscoelásticos como tendões, está relacionada à quantidade de material e ao arranjo das fibras colágenas. É possível imaginar que, com 3 semanas, o Grupo FC tenha apresentado cicatriz com maior volume e arranjo de colágeno irregular, o que justificaria a maior capacidade de absorção de impacto. No entanto, tratou-se de achado pontual, uma vez que, com 6 semanas, os valores foram semelhantes em ambos os grupos.

A influência do tempo no processo de cicatrização tendínea foi semelhante em ambos os grupos experimentais, TN e FC, com estabilização dos valores das propriedades mecânicas do período imediato até 3 semanas de pós-operatório, seguido de aumento acentuado com 6 semanas. As exceções a este padrão ocorreram no grupo FC em relação à tensão na carga máxima, na qual se observou início da recuperação com 3 semanas, e em relação à energia por área, no mesmo grupo, com queda na 2ª semana e recuperação na 3a semana. Na literatura consultada, não foram encontrados experimentos que variassem a colocação do ponto central da sutura na região vascularizada ou fibrocartilaginosa avascular do tendão e que avaliassem o processo de cicatrização. O estudo de Nessler et al[17] relativo à cicatrização de regiões de tendão normal e de tendão fibrocartilaginoso avascular em tendões flexores de cães indicou desempenho morfológico e mecânico superiores da cicatrização da fibrocartilagem. No entanto, o modelo experimental foi de lesão parcial, sem material de sutura e movimentação ativa imediata no pós-operatório. Nessas circunstâncias, pode ter ocorrido predomínio de mecanismos intrínsecos de cicatrização tendinosa e a fibrocartilagem, com seu arranjo irregular do colágeno apresentou cicatriz mais precoce que o tendão normal, que exige maior tempo para o alinhamento das fibras de colágeno.


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Conclusões

A análise dos resultados mecânicos e histopatológicos obtidos na presente investigação permitem concluir que a colocação do ponto central de sutura em região vascularizada do tendão não prejudicou o processo de cicatrização tendínea.


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Conflitos de Interesses

Os autores declaram não haver conflitos de interesses.

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP.


  • Referências

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Address for correspondence

Trajano Sardenberg, MD, PhD
Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP)
Av. Prof. Mário Rubens Montenegro s/n, Botucatu, SP 18618687
Brasil   

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Fig. 1 (A) Sutura utilizada no grupo tendão normal vascularizado (TN). (B) Sutura utilizada no grupo fibrocartilagem avascular (FC). (C) Animal com o membro pélvico operado imobilizado.
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Fig. 1 (A) Suture used in the normal, vascularized tendon (TN) group. (B) Suture used in the avascular fibrocartilage (CF) group. (C) Animal with immobilized operated pelvic limb.
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Fig. 2 Propriedades biomecânicas estruturais. (A) Medianas da Carga Máxima (N) dos grupos TN e FC, lado operado, nos quatro momentos experimentais; (B) Medianas da Energia na Carga Máxima (N.10–3 m) dos grupos TN e FC, lado operado, nos quatro momentos experimentais.
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Fig. 3 Propriedades biomecânicas materiais. (A) Medianas da Tensão na Carga Máxima (MPa) dos grupos TN e FC, lado operado, nos quatro momentos experimentais; (B) Medianas do Módulo de Elasticidade (MPa) dos grupos TN e FC, lado operado, nos quatro momentos experimentais; (C) Medianas da Energia/Área (N.mm/mm2) dos grupos TN e FC, lado operado, nos quatro momentos experimentais.
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Fig. 4 (A) Duas semanas de pós-operatório – espaço entre os cotos encontra-se preenchido por tecido de granulação com discreto edema intersticial e infiltrado inflamatório mononuclear; observa-se, à esquerda do espaço, tecido de granulação a partir do interstício das fibras tendíneas do coto (Hematoxilina-eosina – aumento original 100x); (B) Três semanas de pós-operatório - presença de colágeno denso com intensa refringência no coto tendíneo (*), em continuidade com deposição de colágeno menos refringente e mais delicado, no espaço entre os cotos tendíneos(♢) (picrossírius red com luz polarizada – aumento original 100x); (C) Seis semanas de pós- operatório – há distinção entre o colágeno do coto (*), mais denso e refringente, em relação ao colágeno cicatricial, mais delicado, menos refringente e com arranjo paralelo ao eixo longitudinal do tendão (♢) (picrossírius red com luz polarizada – aumento original 100x).
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Fig. 2 Structural biomechanical properties. (A) Median maximum load values (N) in the TN and FC groups, operated side, during the four experimental moments; (B) Median energy at the maximum load values (N.10-3m) in the TN and FC groups, operated side, during the four experimental moments.
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Fig. 3 Material biomechanical properties. (A) Mean of the stress at maximum load (MPa) in the TN and FC groups, operated side, during the four experimental moments; (B) Modulus of elasticity (MPa) in the TN and FC groups, operated side, during the four experimental moments; (C) Median energy per area values (N.mm/mm2) in the TN and FC groups, operated side, during the four experimental moments.
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Fig. 4 (A) 2 weeks after the procedure – the space between the stumps is filled by granulation tissue with mild interstitial edema and mononuclear inflammatory infiltrate; at the left of the space, there is granulation tissue from the interstitium of the stump tendinous fibers (hematoxylin and eosin [H&E] – original magnification, 100X); (B) Three weeks after the procedure – the tendinous stump present dense collagen with intense refringence (*), in continuity with less refringent and deposition of more delicate collagen fibers, in the space between the tendon stumps (*) (picrosirius red under light polarized - original magnification, 100X); (C) Six weeks after the procedure – there is a distinction between the denser and refringent stump collagen (*) and the cicatricial collagen, more delicate, less refringent and parallel to the longitudinal axis of the tendon (•) (picrosirius red under light polarized – original magnification, 100X).