Introdução
Os tumores de células gigantes (TCGs) são raros, constituem entre 8 e 10% dos tumores
ósseos primários benignos, têm maior prevalência após a maturidade esquelética (3ª
e 4ª décadas de vida) e pequena predileção em mulheres. Eles acometem preferencialmente
ossos longos e, menos frequentemente, vértebras, a pelve e o sacro. Podem estar associados
a condições pseudotumorais, a malignidade, a metástases (10%), principalmente para
o pulmão, e a recidiva local. O principal sintoma é a dor (54,4%).[1]
[2]
[3]
O tratamento dos TCGs é cirúrgico, pela excisão tumoral completa e pelo preenchimento
do defeito com enxerto ósseo, polimetilmetacrilato ou endoprótese, sendo raramente
indicada a amputação, por ser um tumor benigno.[1] O maior desafio reside nos casos localizados na coluna dorsal e no sacro, com destruição
extensa e opções cirúrgicas restritas. Nos TCGs sacrais, a curetagem com cimentação
é a melhor opção. A sacrectomia piora a qualidade de vida por incontinência esfincteriana
e anestesia da região perineal.[1]
Os estudos radiográficos demonstram lesão lítica, solitária, insuflativa, excêntrica,
com afinamento ou erosão da cortical.[2] Dor e aumento de volume local são as queixas mais frequentes por infiltração óssea
local e à distância. Os opioides são os fármacos mais efetivos usados para dor moderada
e intensa, porém o seu uso em casos complexos exigem o manejo na dose, na forma de
administração e a associação de outros tratamentos.[4]
Descrever as opções terapêuticas e do controle da dor em caso complexo de TCG sacral
inoperável.
Relato do Caso
Paciente de 39 anos, masculino, internado com dor intensa na região sacral irradiando
para o membro inferior direito há 3 meses. Procurara assistência em serviços de emergência,
sem diagnóstico ou melhora dos sintomas, fora submetido a ressonância magnética nuclear
(RMN) e a tomografia computadorizada (TC) da coluna lombar, apresentando lesão expansiva
no sacro, osteolítica (8,3 × 5,8 × 4,8 cm), com áreas de ruptura cortical e componente
extra-ósseo nas porções central e lateral direita do sacro de S1 a S4 ([Fig. 1]).
Fig. 1 Exame de ressonância magnética nuclear com lesão osteolítica (8,3 × 5,8 × 4,8 cm)
com áreas de ruptura cortical e componente extra-ósseo, central e lateral direita
do sacro (S1 a S4), forames sacrais, canal raquiano sacral, articulação sacroilíaca;
pequeno comprometimento cortical do ilíaco direito. O centro de aspecto cístico com
níveis líquidos. Envolvimento das raízes sacrais e aparente infiltração do músculo
piriforme, com edema dos músculos glúteos médio e máximo. Íntimo contato com o nervo
ciático, com os vasos ilíacos, glúteos superiores e inferiores; espondilólise bilateral
de L4 associada a uma anterolistese de L4 sobre L5 grau 2, determinando estenose dos
forames neurais nesse nível.
No exame físico, o paciente tinha marcha claudicante, abaulamento discreto na região
lombossacral à direita, alteração da sensibilidade nos dermátomos (L2 a S2) e força
muscular preservada.
Realizada biópsia da tumoração sacral, revelando um TCG caracterizado histologicamente
por células gigantes multinucleadas dispersas pelo tecido tumoral e cisto ósseo aneurismático,
evidenciado pela lesão osteolítica expansiva, hipervascularizada, constituída por
sangue, traves de tecido conjuntivo e trabéculas de células gigantes. Devido à localização
e à extensão tumoral, foi considerado inoperável. O paciente foi submetido a duas
embolizações intra-arteriais ([Fig. 2]), após as quais houve intensificação da dor. O controle da dor foi inicialmente
tentado com os opioides morfina (doses de 5 mg a 200 mg de 4 em 4 horas), fentanil
e metadona, associados à gabapentina, para controle da dor neuropática, e antidepressivos
tricíclicos (amitriptilina), anti-inflamatórios e analgésicos. Foi utilizado o interferon
alfa 2A (1,1 µU/m2, aumentando-se até 4,4 µU/m2) como terapia antiangiogênica por 7 meses. Com a piora da dor à deambulação, instalou-se
cateter intratecal em L3/L4 e bomba de infusão de fentanil. Apesar da melhora da dor,
o cateter apresentava escapes frequentes, devido a espondilólise com listese grau
I L4-L5 e redução do forame neural evidenciado por hipoestesia em L5-S1, reflexos
patelar e aquileu abolidos, Laségue positivo e perda total de movimentos do tornozelo
à direita. A eletroneuromiografia evidenciou lesão do nervo ciático direito. A tomografia da pelve e da coluna lombossacra constatou crescimento tumoral e envolvimento
das estruturas nervosas adjacentes.
Fig. 2 Embolização tumoral com gelfoam e embosferas através de cateterização seletiva das
artérias sacral média, radicular de L5, glútea superior e ilíaca interna à direita,
e irrigação pela artéria sacral lateral esquerda.
O paciente foi submetido a 2 bloqueios radiculares em L4/L5 ([Fig. 3]) com bupivacaína e metilprednisolona. Devido à falha no tratamento com interferon
e à persistência do quadro de dor, o paciente foi encaminhado no 11° mês à radioterapia
na dose de 4.500 cGy, evoluindo com controle parcial da dor e tumoral. Do 11° mês
até o 28° mês, o paciente estava dependente para as atividades de vida diária (AVD),
tinha controle esfincteriano, porém com disfunção erétil e disautonomia, controlado
com inibidores da fosfodiesterase. Encaminhado à hidroterapia e fisioterapia, apresentou
melhora da dor e do humor. A tomografia de controle apresentava mínima redução da
lesão sacral.
Fig. 3 Bloqueio perirradicular bilateral em L4/L5, com bupivacaína e metilprednisolona.
Escore de dor pré-bloqueio = 8; e após = 0/10.
No 29° mês, sem fatores desencadeantes, a dor voltou, e os medicamentos foram reajustados,
conforme demonstrado na [Tabela 1], obtendo-se controle álgico. No 35° mês, o paciente deambulava sem auxílio e apresentava
hipoestesia tátil e dolorosa, pé caído (prescrito órtese tornozelo-pé). Mantido seguimento
anual com redução progressiva e ajustes da medicação analgésica e retirada da bomba
de analgesia controlada pelo paciente (PCA) no 91° mês. No 9° ano (96° mês), o paciente
mantinha um volumoso tumor sacral estável ([Fig. 4]), sem tratamento oncológico específico, sem dor e sem qualquer medicação analgésica,
e retornou às suas AVDs e ao trabalho.
Tabela 1
Mês
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Intercorrência
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Tratamento
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1° Admissão
Embolização intra-arterial no território tumoral irrigado pela artéria sacral lateral
esquerda
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Dor
Intensificação do quadro álgico, (Escore 10/10)
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Morfina 10 mg 6/6 horas, amitriptilina 50 mg/dia.
Substituição por fentanil transdérmico (200 mcg) e gabapentina (1.200 mg/dia)
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3° Volume tumoral inalterado
Embolização tumoral
Interferon alfa 2A (1,1 µU/m2)
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Reagudização da dor
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Gabapentina 600 mg 8/8 horas
fentanil transdérmico (200 mcg), tenoxicam 20 mg/dia
paracetamol 750 mg 6/6 horas.
Amitriptilina 75 mg/dia
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4°
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Dor à deambulação. Dificuldade de aderência do adesivo devido a sudorese profusa.
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Instalação de cateter intratecal com bomba de PCA com fentanil (5 mcg; intervalo de
bloqueio: 30 minutos; infusão contínua:0,5 mcg/h; total contínuo: 12 mcg/dia)
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5° Interferon alfa 2A (2,2 µU/m2)
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Síndrome de abstinência ao Fentanil
Dor em pontadas em todo membro inferior direito, devido à presença de espondilólise
de L4 com listese grau I L4-L5 e redução do forame neural.
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Instalação de bomba intratecal Synchromed II, em altura aproximada de L3/L4. Iniciada
infusão de fentanil com dose contínua diária de 10mcg/dia.
Feito ajustes progressivos do Fentanil intratecal que, posteriormente, foi trocado
por morfina.
Aumentada infusão intratecal da droga, associado tramadol e mantida morfina para resgate.
Bloqueio perirradicular bilateral em L4/L5, com bupivacaína e metilprednisolona. Segundo
bloqueio perirradicular bilateral em L4/L5, com bupivacaína e metilprednisolona.
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10° Crescimento tumoral
Interferon alfa 2A (4,4 µU/m2)
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Dor intensa e queimação irradiada da nádega para região posterior de todo membro inferior
direito; sudorese profusa, emagrecido e gemente e com lesão por pressão em região
cubital devido ao apoio.
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Amitriptilina 75 mg /dia
Gabapentina 2.400 mg/dia e solução intratecal de morfina 2,5 mg/dia, associada a bupivacaína
1,25 mg/dia. (Escore de 9 para 4/10).
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11° Radioterapia – 4.500 cGy em leito tumoral
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Queimação intensa em região plantar esquerda, não conseguindo encostar o pé no chão.
O cateter estava no espaço
subaracnóideo.
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Clonidina 42 mcg/dia; solução intratecal de morfina;
Gabapentina 2.700 mg/dia.
Troca de cateter; constatado íntegro mas enrolado sob a bomba.
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12°–14° Hidroterapia e fisioterapia
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Instável, parcialmente dependente para todas AVDs
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Morfina (3,5 mg/dia), bupivacaina, amitriptilina 125 mg/dia, gabapentina 2.400 mg/dia,
tizanidina 6 mg/dia, metadona 15 mg/dia e naproxeno 1 g/dia.
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29° Órtese tornozelo-pé
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Recrudescência da dor
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Aumentada morfina intratecal 2 mg/dia e metadona 5 mg 12/12h, amitriptilina 25 mg/noite
e naproxeno 250 mg 12/12h.
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87°
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Vencimento do tempo útil da bomba de PCA
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Troca da bomba de PCA
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91°
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Exteriorização da bomba de PCA
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Retirada do sistema de injeção intratecal; Infusão venosa contínua de morfina 4 mg/hora
e metadona 10 mg 8/8 horas horas, reduzida para 5 mg de 8/8 horas por 1 ano; gabapentina
300 mg 12/12 horas e amitriptilina 25 mg/noite.
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96° Estabilização do crescimento tumoral
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Sem tratamento oncológico específico, sem dor e sem qualquer medicação analgésica,
retornou as suas AVDs e ao trabalho.
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Fig. 4 Exame de ressonância magnética nuclear evidenciando o controle do tumor sacral extenso.
O projeto da presente pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de ética em pesquisa/Associação
das Pioneiras Sociais (CEP/APS).
Discussão
O TCG, embora seja um tumor benigno, pode ter comportamento agressivo e ser inoperável.
O maior desafio, como demonstrado no presente relato de caso, reside nos casos localizados
no sacro quando há destruição extensa, as opções cirúrgicas são restritas, associado
ao cisto aneurismático, visto pelo aumento progressivo da lesão e a compressão das
raízes e da medula, causando sintomas de dor, fraqueza e distúrbios sensitivos nos
membros. O cisto aneurismático descrito no exame histopatológico e de imagem do presente
caso poderia ser considerado como fenômeno associado ao TCG, não diferenciando o tratamento
cirúrgico, que incluiria, se possível, a ressecção marginal em monobloco. Todavia,
segundo a experiência em nosso serviço, e de outros autores, o tratamento cirúrgico
por excisão com margem ampla ou limite que envolve os segmentos sacrais superiores
e a linha média envolveria a sacrectomia total, que além dos riscos de hemorragia
maciça, de infecção e de déficit neurológico, cursaria com distúrbios de esfíncter,
instabilidade pélvica e espinhal, risco de recorrência local e a piora importante
da qualidade de vida.[1] A embolização foi indicada no presente caso como tentativa de redução tumoral e
da dor, e está descrita somente para os tumores inoperáveis. No presente caso, foram
realizadas duas embolizações sem redução tumoral e com exacerbação da dor, mantendo
as condições de inoperabilidade. Os resultados poderiam ser eficazes, mas temporários,
inclusive para dor, devido à recanalização dos vasos e ao crescimento tumoral.[2]
[3]
A quimioterapia como opção terapêutica foi abandonada devido ao comportamento benigno
tumoral e aos efeitos colaterais. Tendo em vista a pouca resposta e a piora da dor
à embolização realizada, optou-se pela terapia com interferon alfa 2A, anticorpo que
bloqueia a ação dos osteoclastos, o qual têm se mostrado eficiente na redução desses
tumores por certo tempo, mas que não foi eficaz no presente caso após 7 meses de uso.[5] Outra opção de tratamento descrita nos tumores ósseos irressecáveis é a radioterapia.
A radioterapia na dose de 4.500 cGy no leito tumoral foi indicada e evidenciou discreta
redução do tumor. Entretanto, ela tem aplicação duvidosa nos TCGs, por serem estes
neoplasias benignas com poucas atipias celulares e pelo risco de degeneração sarcomatosa,
sendo indicada para lesões avançadas, com maciça destruição óssea, múltiplas recorrências,
infecções secundárias, degenerações malignas na coluna vertebral ou no sacro, e por
isso foi aplicada neste caso de difícil controle.[6]
Opioides, analgésicos, anestésicos e corticosteroides foram usados para o controle
da dor por infiltração óssea, em dose de manutenção ou em bolus nas exacerbações,
utilizados neste caso desde a admissão até o 91° mês, ajustando-se as doses conforme
os episódios de crise associados a analgésicos (paracetamol, acetaminofeno), anti-inflamatórios
(tenoxicam, naproxeno), antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes, relaxantes
musculares e medicamentos para controle de efeitos colaterais. Outras opções, embora
não utilizadas no presente caso, seriam os bisfosfonatos, eficazes na diminuição da
hipercalcemia tumoral, com efeito analgésico sobre a dor óssea secundária à remodelação,
e o denosumabe,[7] medicamento composto de proteína de anticorpo monoclonal, que interfere na ação
de outra proteína envolvida no processo de ativação da degradação óssea, que determina
a redução do número e da função dos osteoclastos (células presentes nos ossos e responsáveis
pela degradação do tecido ósseo), resultando na redução da reabsorção e da destruição
ósseas, comumente induzidas pelo câncer, é indicado para o tratamento de altos níveis
sanguíneos de cálcio causados por câncer, após a falha no tratamento com bisfosfonato.
Na época deste estudo o seu uso era limitado pelo custo elevado e outros fatores.
Vale destacar que, no Brasil, estima-se que de 62 a 90% dos pacientes com neoplasias
ósseas cursam com dor,[8] Entre as possíveis causas estão aquelas devido a invasão óssea (46% a 92%), visceral,
do sistema nervoso, de partes moles, aumento da pressão intracraniana (12% a 29%),
espasmo muscular, linfedema, lesões de decúbito, constipação intestinal, e relacionadas
ao tratamento cirúrgico (5% a 20%) (dor aguda, pós-amputação, dor fantasma); por quimioterápicos
(mucosite, neuropatia periférica, neuralgia pós-herpética, espasmos vesicais, necrose
da cabeça do fêmur); radioterápico (mucosite, esofagite, retite actínica, radiodermite,
mielopatia e fibrose actínica de plexo) e das condições associadas (8% a 22%) (osteoartrite;
espondiloartose, fibromialgia, enxaqueca e outros).
No presente relato, observou-se o difícil controle do crescimento tumoral e da dor
relacionada. Nos episódios de exacerbação da dor de origem óssea, ocasionada tanto
pelo crescimento tumoral, pela invasão óssea, neuropática, quanto pela compressão
radicular associada à imobilidade e espasmos musculares, utilizou-se opioides, analgésicos
potentes e medicamentos adjuvantes com doses por via oral e em bomba de PCA intratecal
para tratamento e controle da dor.[4]
[8] Observou-se também os componentes miofascial, postural, redução da massa muscular
e do condicionamento, contraturas, alterações do sono, ansiedade e depressão.[9] Nestes pacientes, é comum a constatação da síndrome do imobilismo, para o qual se
indicou, associados à fisioterapia, hidroterapia e acompanhamento psicológico.
Foi descrita a evolução de caso de TCG do sacro de difícil controle em adulto jovem,
inoperável, onde foi realizada a embolização, uso de interferon e radioterapia, associados
ao uso de opioides e de medicamentos coadjuvantes, acompanhamento psicológico e fisioterápico,
revelando o difícil controle da dor. Conseguiu-se a estabilização do crescimento tumoral
e da dor após vários procedimentos e 9 anos de seguimento.