Open Access
CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2019; 54(03): 322-328
DOI: 10.1055/s-0039-1692447
Artigo Original | Original Article
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revnter Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Estudo prospectivo sobre o impacto do uso do selante de fibrina humano livre de agentes estabilizadores de coágulo na artroplastia total de joelho[*]

Article in several languages: português | English
1   Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
,
Guilherme Mathias Palhares
1   Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
,
Rodrigo Satamini Pires e Albuquerque
1   Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
,
Eduardo Branco de Sousa
1   Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
,
João Maurício Barretto
1   Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
› Author Affiliations
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Address for correspondence

Douglas Mello Pavão, MD, MSc
Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad
Avenida Brasil, 500, Rio de Janeiro, RJ, 20940-070
Brasil   

Publication History

27 February 2018

10 July 2018

Publication Date:
27 June 2019 (online)

 

Resumo

Objetivo O objetivo do presente estudo foi avaliar os resultados do uso tópico intraoperatório do selante de fibrina humano livre de agentes estabilizadores de coágulo em pacientes com osteoartrite (OA) submetidos a artroplastia total de joelho (ATJ), buscando diferenças entre os grupos em relação à perda sanguínea, à necessidade transfusional, ao tempo de internação hospitalar, à percepção de dor, à amplitude de movimento e à incidência de complicações.

Métodos Foram analisados prospectivamente um grupo de intervenção (Selante) com 32 pacientes e um grupo controle (Controle) com 31 pacientes, com OA sintomática dos joelhos, submetidos a ATJ.

Resultados Os resultados foram semelhantes entre os grupos, em relação à perda sanguínea visível no dreno em 24 horas (Controle 276,5 mL ± 46,24 versus Selante 365,9 mL ± 45,73), à perda sanguínea total em 24 horas (Controle 930 mL ± 78 versus Selante 890 mL ± 67) e em 60 horas de pós-operatório (Controle 1.250 mL ± 120 versus Selante 1.190 mL ± 96), à necessidade de hemotransfusão (ocorreu em apenas 1 controle), ao tempo de dias na permanência hospitalar (Controle 5,61 ± 0,50 [n = 31] versus Selante 4,81 ± 0,36), dor pós-operatória e amplitude de movimento. O uso do agente selante de fibrina não se relacionou à ocorrência de complicações da cicatrização de ferida, de infecção ou de trombose venosa profunda.

Conclusão Concluímos que o agente hemostático de fibrina humana não foi eficaz em reduzir o volume de sangramento e a necessidade de hemotransfusão ou em interferir no tempo de internação hospitalar, na percepção de dor e na amplitude de movimento. Seu uso não se relacionou a nenhuma complicação.


Introdução

A osteoartrite (OA) do joelho envolve a degeneração da cartilagem, inflamação sinovial e espessamento do osso subcondral, levando a dor e a limitação funcional. A artroplastia total do joelho (ATJ) é uma das opções de tratamento nos estágios finais da doença, reduzindo os sintomas e restaurando a função articular. O design e a fixação dos implantes têm melhorado progressivamente, levando a um aumento na sua sobrevida e função. No entanto, a perda sanguínea relacionada a este procedimento ainda é uma preocupação que precisa ser investigada e tratada.[1] [2] [3] [4]

As estratégias de controle e de prevenção da perda sanguínea incluem o uso de torniquetes pneumáticos, anestesia hipotensiva, hemotransfusões e agentes farmacológicos, sendo que estes últimos podem se relacionar a complicações inerentes ao seu uso.[5] [6]

Vários estudos usando selantes de fibrina tópicos como Quixil® (Omrix Biopharmaceuticals, New York City, NY, EUA) e Floseal® (Baxter International, Deerfield, IL, EUA) mostraram ser efetivos na redução da perda sanguínea visível, da hemorragia total e das taxas de hemotransfusão em ATJs.[7] [8] [9] [10] [11] No entanto, o uso destes medicamentos pode estar relacionado a complicações tromboembólicas e alérgicas devido à presença de agentes estabilizadores de coágulos presentes em suas fórmulas, como ácido tranexâmico (AT) e a aprotinina.[12] Uma nova geração de selantes de fibrina (Evicel®, Johnson & Johnson, New Brunswick, NJ, EUA), não contendo tais agentes, foi então desenvolvida.[13]

O objetivo do presente estudo foi avaliar o uso intraoperatório de um selante de fibrina humano tópico livre de estabilizadores de coágulo na ATJ quanto à perda sanguínea, à necessidade transfusional, ao tempo de internação hospitalar, à percepção da dor, à amplitude de movimento (ADM) e à incidência de complicações.


Métodos

A população do estudo foi composta por 64 pacientes submetidos a ATJ para o tratamento da OA primária do joelho, entre setembro de 2015 e abril de 2017.

Pacientes com > 55 anos de idade, apresentando ADM de pelo menos 90°, sem deformidades angulares significativas e com alterações radiográficas de OA compatíveis com o grau 4 ou 5 Ahlback foram incluídos no estudo, após a assinatura do termo de consentimento informado. Em conformidade com os padrões éticos, o estudo foi aprovado pelo Conselho de Ética Institucional (protocolo número 48370515.4.0000.5273).

Os pacientes que apresentaram algum fator de risco predisponente a um aumento do sangramento durante ou após a cirurgia, como coagulopatias, doença renal crônica, tratamento contínuo com anticoagulantes orais e OA secundária, assim como aqueles cujo procedimento cirúrgico durou > 2 horas foram excluídos.

O tamanho da amostra foi determinado por estudos similares na literatura[9] e a alocação em dois grupos experimentais, com 32 pacientes cada, foi realizada por randomização usando envelopes selados. Os envelopes foram abertos apenas imediatamente antes do fechamento da ferida, para evitar algum tipo de viés. Os pacientes do grupo de intervenção (Selante) receberam aplicação tópica de 6 mL do agente hemostático de fibrina Evicel®, composto de fibrinogênio humano (de 250 a 450 mg) e trombina (4000–6000 UI) que vêm em dois frascos separados e são combinados através de um dispositivo aplicador. Os pacientes do grupo de controle (Controle) não receberam nenhuma aplicação do produto.

Todos os pacientes selecionados foram submetidos à mesma técnica cirúrgica padrão (ATJ primária unilateral cimentada com estabilização posterior), sob isquemia pneumática, por cirurgiões com > 5 anos de experiência. Foram utilizados três modelos de implantes: Press Fit Condylar Sigma DePuy-Synthes® (Johnson & Johnson, New Brunswick, NJ, EUA), NexGen Knee Replacement System® (Zimmer Biomet, Warsaw, IN, EUA) e ACS Knee System® (Implantcast, Hamburg, Alemanha).

O manguito pneumático foi mantido inflado até o completo fechamento da ferida, evitando a perda sanguínea durante todo o tempo cirúrgico. Todos os pacientes receberam um único dreno Hemovac® (Zimmer Biomet, Warsaw, IN, EUA) de 4,8 mm intra-articular com sucção negativa, mantido durante 24 horas. A prevenção de eventos tromboembólicos foi realizada em todos os pacientes, que receberam uma única dose diária de 40 mg de heparina subcutânea de baixo peso molecular, iniciada de 12 a 24 horas após o término do procedimento e mantida por 15 dias.

Os índices hematimétricos foram medidos pré-operatoriamente, no 1° dia pós-operatório (24 horas, n = 63) e no 3° dia pós-operatório (60 a 72 horas, n = 41) para aqueles que ainda não haviam recebido alta até este momento.

Os seguintes parâmetros foram considerados para a análise da perda sanguínea: volume sanguíneo, perda sanguínea no dreno, perda de hemoglobina, e perda sanguínea total.

O volume sanguíneo de cada paciente foi determinado de acordo com a fórmula de Nadler.[14] O volume de perda sanguínea drenada foi determinado pelo volume de sangue (mL) coletado por sucção negativa através do dreno de Hemovac®, dentro de 24 horas após o procedimento cirúrgico.

A perda de hemoglobina (Hb) após 24 horas foi calculada utilizando a fórmula:

Hb perdida = [Hb admissão − Hb alta (24 horas)] + Hb transfundida

Onde:

  1. Hb perdida = perda total de Hb (g/dL) após o procedimento

  2. Hb admissão = Hb (g/dL) × Volemia/100

  3. Hb alta = Hb (g/dL) × Volemia/100

Hb transfundida = quantidade total de Hb (g/dL) transfundida através de concentrados de glóbulos vermelhos. Cada bolsa de sangue do banco de sangue da instituição e do estado contém uma concentração média de Hb de 60 g/embalagem (0,6 g/dL).

A perda de Hb após 60 horas foi calculada com base na fórmula:

Hb perdida = [Hb admissão − Hb alta (60 horas)] + Hb transfundida

A perda sanguínea (mL) no primeiro dia pós-operatório (24 horas) foi calculada pela seguinte fórmula:

Perda sanguínea = Volemia × Hb perdida (24 horas)/Hb admissão

A perda sanguínea (mL) no 3° dia pós-operatório (60 horas) foi calculada pela seguinte fórmula:

Perda sanguínea = Volemia × Hb perdida (60 horas)/Hb admissão

Coletamos dados sobre todos os pacientes que foram hemotransfundidos e o número de bolsas de hemocomponentes que cada um recebeu.

O tempo total de internação hospitalar foi analisado e comparado entre os grupos. Os critérios de alta foram o controle da dor com analgésicos orais e a capacidade de deambular com auxilio, além da ausência de complicações clínicas.

A intensidade da dor foi avaliada em todos os pacientes através da escala visual analógica (EVA), variando de 1 a 10. A informação foi coletada no hospital, antes da cirurgia, repetida no 2° dia e na 6ª semana após o procedimento cirúrgico.

A ADM foi avaliada com o paciente em posição supina usando um goniômetro milimetrado padrão.

Buscamos identificar a ocorrência de complicações como problemas de cicatrização de feridas, trombose venosa profunda (TVP) e infecção superficial ou profunda.

Todos os dados foram analisados pelo GraphPad Prism 5 para Windows (GraphPad Software, Los Angeles, CA, EUA). Os resultados foram apresentados com o desvio padrão (DP) médio correspondente. O teste exato de Fisher foi usado para comparar a proporção de gênero entre os grupos. Idade, peso, altura, índice de massa corporal (IMC), volume sanguíneo, perda sanguínea drenada após 24 horas, perda de Hb após 24 horas e 60 horas, perda sanguínea após 24 horas e 60 horas e tempo de internação foram analisados pelo teste t de Student não pareado. A dor (EVA) e a ADM foram analisadas pela análise de variância (ANOVA) de duas vias seguida por um teste t de Student pareado post hoc de Benferroni. Para todas as análises, um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.


Resultados

Dos 64 pacientes eleitos para o estudo, 1 paciente do grupo controle foi excluído da avaliação de resultados, pois o procedimento cirúrgico ultrapassou as 2 horas antes da conclusão do fechamento total da ferida. Desta forma, 32 pacientes receberam o agente hemostático e 31 pacientes não o receberam. Os grupos de tratamento e controle foram semelhantes em termos de características básicas como gênero, idade, peso, altura, IMC e volemia ([Tabela 1]).

Tabela 1

Grupo Controle

n = 31

Grupo Selante

n = 32

valor-p

Gênero

5 masculino e 26 feminino

4 masculino e 28 feminino

0,76

Idade (anos)

69,48 ± 1,27

69,19 ± 1,21

0,86

Peso (Kg)

81,71 ± 2,0

78,43 ± 1,69

0,21

Altura (m)

1,60 ± 0,01

1,58 ± 0,01

0,47

IMC

31,81 ± 0,73

31,23 ± 0,72

0,57

Volemia (mL)

4.450 ± 110

4.270 ± 80

0,10

Em relação ao volume de sangramento aferido no dreno em 24 horas, não houve diferença significativa entre os grupos (Controle 276,5 mL ± 46,24 versus Selante 365,9 mL ± 45,73; n = 63; p = 0,17) ([Fig. 1]).

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Fig. 1 Perda sanguínea, quantificada no dreno após 24 horas. Realizado teste t de Student não pareado.

Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à perda de Hb média em 24 horas (Controle 2,78 g/dL ± 0,24 versus Selante 2,85 g/dL ± 0,24; n = 63; p = 0,41) ([Fig. 2]).

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Fig. 2 Perda média de hemoglobina 24 horas após a cirurgia, onde Hb perdida = [Hb admissão - Hb alta (24h)] + Hb transfundida. Realizado teste t de Student não pareado.

Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à perda de Hb média em 60 horas, (Controle 3,69 g/dL ± 0,39 versus Selante 3,85 g/dL ± 0,33; n = 41; p = 0,37) ([Fig. 3]).

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Fig. 3 Perda média de hemoglobina 60 horas após a cirurgia, onde Hb perdida = [Hb admissão - Hb alta (60h)] + Hb transfundida. Realizado teste t de Student não pareado.

Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à perda sanguínea total média em 24 horas (Controle 930 mL ± 78 versus Selante 890 mL ± 67; n = 63; p = 0,35) ([Fig. 4])

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Fig. 4 Perda sanguínea média 24 horas após a cirurgia, onde Perda sanguínea = Volemia x Hb perdida (24h)/Hb admissão. Realizado teste t de Student não pareado.

Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à perda sanguínea total média em 60 horas (Controle 1.250 mL ± 120 versus Selante 1.190 mL ± 96; n = 41; p = 0,34) ([Fig. 5]).

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Fig. 5 Perda sanguínea média 60 horas após a cirurgia, onde Perda sanguínea = Volemia x Hb perdida (60h)/Hb admissão. Realizado teste t de Student não pareado.

Apenas um paciente do grupo controle foi transfundido com uma bolsa de concentrado de hemácias. Nenhum paciente do grupo Selante foi transfundido.

Não houve diferença significativa entre os grupos em relação ao tempo de dias de internação hospitalar (Controle 5,61 ± 0,50; n = 31 versus Selante 4,81 ± 0,36; n = 32; p = 0,10) ([Fig. 6]).

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Fig. 6 Tempo de internação, do dia da cirurgia até a alta hospitalar. Realizado teste t de Student não pareado.

Em relação à EVA, apesar da dor ter reduzido em ambos os grupos ao longo do tempo, não houve diferença significativa entre os grupos (p > 0,05) ([Tabela 2] e [Fig. 7])

Tabela 2

Grupo Controle

Grupo Selante

valor-p

EVA internação

6,16 ± 0,33

6,15 ± 0,43

0,99

EVA 2° dia

2,58 ± 0,18

2,75 ± 0,30

0,63

EVA 6 semanas

0,59 ± 0,14

0,71 ± 0,13

0,52

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Fig. 7 Escala Visual Análoga médiá dos pacientes em ambos os grupos ao longo do tempo (entre a internação, 2 dias e 6 semanas de pós-operatório). Analisados pela análise de variância (ANOVA) de duas vias seguida por um teste t de Student pareado post hoc.

Em relação à ADM média ao longo do tempo, detalhada na [Tabela 3], esta foi maior no grupo Selante do que no grupo controle no 2° dia pós-operatório (p = 0,01), porém sem diferença significativa na 6ª semana (p = 0,13) ([Fig. 8])

Tabela 3

Grupo Controle

Grupo Selante

valor-p

ADM internação

82,4° ± 19,3°

87,8° ± 20,1°

0,28

ADM 2° dia

76,7° ± 13°

84,3° ± 9,7°

0,01

ADM 6 semanas

89,8° ± 8,8°

92,8° ± 6,3°

0,13

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Fig. 8 Amplitude de movimento média dos pacientes avaliados ao longo do tempo, aferido através de goniômetro milimetrado. Analise pela análise de variância (ANOVA) de duas vias seguida por um teste t de Student pareado post hoc.

Não houve complicações de cicatrização de ferida, de TVP ou de infecções em nenhum dos grupos.


Discussão

Em relação ao volume de sangramento aferido no dreno em 24 horas, observamos um sangramento maior no grupo de estudo em relação ao grupo controle, porém sem significância estatística. Skovgaard et al,[15] em estudo prospectivo, duplo-cego, placebo-controlado, avaliando 24 pacientes (48 joelhos) submetidos a ATJ bilateral simultânea, onde um joelho recebeu a aplicação tópica de 10 mL do selante de fibrina Evicel® e o outro solução salina, não observaram diferenças significativas em relação ao volume de sangue perdido no dreno de 24 horas. Heyse et al[16] avaliaram 200 pacientes, em um estudo prospectivo e randomizado duplo-cego em ATJ, no qual 100 pacientes receberam a aplicação de 10 mL de Evicel® tópico e 100 pacientes nenhuma intervenção adicional. A perda sanguínea no dreno após 24 horas foi significativamente maior no grupo de estudo (780 versus 673 mL, p = 0,029). Esta perda sanguínea maior no grupo de estudo poderia ser explicada por causa de um “efeito rebote”, gerando um maior sangramento após a degradação deste coágulo artificial pela plasmina endógena.

Não observamos diferença significativa entre os grupos em relação à perda de Hb média nas análises 24 e 60 horas após a cirurgia. Maheshawari et al,[17] avaliando retrospectivamente a eficácia do selante de fibrina Evicel® (113 pacientes) em relação a um grupo controle (70 pacientes), também não observaram diferenças significativas em relação aos níveis de Hb em cada um dos 3 primeiros dias de pós-operatório.

Pudemos determinar que não houve diferença significativa entre a perda sanguínea total entre os grupos. Resultados semelhantes foram observados por Randelli et al.[4] Estes conduziram um estudo para verificar se, em comparação com o controle, a aplicação tópica do novo selante de fibrina (Evicel®) em pacientes submetidos a ATJ primária reduziria a perda sanguínea peroperatória. Neste, 62 pacientes foram randomizados para receber a aplicação tópica de Evicel® (n = 31) ou não (n = 31). A perda sanguínea peroperatória foi similar entre os grupos (1.900 mL no grupo controle e 1.800 mL no grupo de tratamento; p = 0,4). Da mesma forma, Heyse et al[16] também não encontraram diferenças em relação à perda sanguínea total entre os seus grupos (1.409 mL no grupo controle versus 1.441 mL no grupo de intervenção; p = 0,44)

Reinhardt et al[13] observaram que a perda sanguínea total foi semelhante, em uma coorte retrospectiva de 114 pacientes submetidos a ATJ, na qual um grupo recebeu o selante de fibrina tópico (Evicel®) e outro uma infiltração local contendo epinefrina. Considerando que a injeção de adrenalina periarticular local reduz as taxas de sangramento após a ATJ, podemos sugerir que o uso do selante de fibrina foi efetivo. O autor destaca que, por ser retrospectivo e sem randomização, pode ter havido um viés de seleção.

Um paciente do grupo controle e nenhum do grupo de intervenção foi hemotransfundido em nosso estudo. Randelli et al[4] e Maheshwari et al[17] encontraram taxas semelhantes de hemotransfusão nos grupos de intervenção e controle, sugerindo que o uso do selante de fibrina não tem efeito sobre as taxas de hemotransfusões.

Bou Monsef et al[3] avaliaram retrospectivamente 176 pacientes submetidos a ATJ, comparando o efeito do “cell saver”, do selante de fibrina (Evicel® 5 mL), da doação pré-operatória autóloga, e de nenhuma intervenção sobre o sangramento perioperatório e da necessidade de hemotransfusão. Todas as estratégias resultaram em uma redução significativa na necessidade de transfusão de sangue alogênico sobre o controle, sugerindo que o uso de Evicel® foi uma medida efetiva quando comparado aos demais.

Em relação ao tempo de internação, não houve nenhuma diferença significativa entre os grupos. No estudo de Randelli et al,[4] também não houve diferença significativa entre os grupos.

Analisando a dor pós-operatória pela EVA e a ADM ao longo do tempo, não identificamos nenhuma diferença significativa entre os grupos no nosso estudo, exceto quanto à ADM no 2° dia de pós-operatório, que se mostrou maior no grupo estudo, porém não se manteve na avaliação com 6 semanas. Não conseguimos elaborar uma justificativa para esta diferença. Reinhardt et al[13] não observaram diferença significativa entre a ADM após 6 semanas de pós-operatório. Skovgaard et al,[15] em relação à recuperação funcional, ao inchaço, à dor, à força da extensão do joelho e à ADM após 21 dias de cirurgia, também não observaram diferença significativa entre os seus grupos. Heyse et al[16] também não observaram diferenças em relação ao ganho de ADM e EVA entre os grupos de intervenção e controle.

Nenhum estudo na literatura relatou complicações de cicatrização de feridas, infecciosas ou tromboembólicas relacionadas ao uso do Evicel®, assim como nós também não tivemos nenhuma destas complicações.

Destacamos como pontos fortes o desenho de nosso estudo, prospectivo, randomizado, controlado e unicêntrico, além de termos critérios de inclusão muito bem determinados, o que permitiu que os grupos de tratamento e controle fossem muito semelhantes em termos de características básicas como gênero, idade, peso, altura, IMC e volemia.

Como limitação do nosso estudo, podemos apontar a perda de pacientes na avaliação do 3° dia, entre 60 e 72 horas de pós-operatório. Julgamos que não seria prudente manter internados pacientes em condições de alta apenas para termos estes dados.


Conclusões

Concluímos que o agente hemostático de fibrina humano livre de agentes estabilizadores de coágulo não foi eficaz em reduzir o volume de sangramento ou a necessidade de hemotransfusão em ATJ, e que seu uso não foi capaz de interferir positiva ou negativamente sobre o tempo de internação hospitalar, percepção de dor e amplitude de movimento. Seu uso não se relacionou a nenhuma complicação.



Conflitos de Interesses

Os autores declaram não haver conflitos de interesses.

* Trabalho feito no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.



Address for correspondence

Douglas Mello Pavão, MD, MSc
Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad
Avenida Brasil, 500, Rio de Janeiro, RJ, 20940-070
Brasil   


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Fig. 1 Perda sanguínea, quantificada no dreno após 24 horas. Realizado teste t de Student não pareado.
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Fig. 2 Perda média de hemoglobina 24 horas após a cirurgia, onde Hb perdida = [Hb admissão - Hb alta (24h)] + Hb transfundida. Realizado teste t de Student não pareado.
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Fig. 3 Perda média de hemoglobina 60 horas após a cirurgia, onde Hb perdida = [Hb admissão - Hb alta (60h)] + Hb transfundida. Realizado teste t de Student não pareado.
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Fig. 4 Perda sanguínea média 24 horas após a cirurgia, onde Perda sanguínea = Volemia x Hb perdida (24h)/Hb admissão. Realizado teste t de Student não pareado.
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Fig. 5 Perda sanguínea média 60 horas após a cirurgia, onde Perda sanguínea = Volemia x Hb perdida (60h)/Hb admissão. Realizado teste t de Student não pareado.
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Fig. 6 Tempo de internação, do dia da cirurgia até a alta hospitalar. Realizado teste t de Student não pareado.
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Fig. 7 Escala Visual Análoga médiá dos pacientes em ambos os grupos ao longo do tempo (entre a internação, 2 dias e 6 semanas de pós-operatório). Analisados pela análise de variância (ANOVA) de duas vias seguida por um teste t de Student pareado post hoc.
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Fig. 8 Amplitude de movimento média dos pacientes avaliados ao longo do tempo, aferido através de goniômetro milimetrado. Analise pela análise de variância (ANOVA) de duas vias seguida por um teste t de Student pareado post hoc.
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Fig. 1 Blood loss quantified at the drain after 24 hours. Unpaired Student t test.
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Fig. 2 Mean hemoglobin (Hb) loss 24 hours after surgery, where Lost Hb = [Hb at admission - Hb at discharge (24 h)] + Hb transfused. Unpaired Student t test.
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Fig. 3 Mean hemoglobin (Hb) loss 60 hours after surgery, where Lost Hb = [Hb at admission - Hb at discharge (60 h)] + Hb transfused. Unpaired Student t test.
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Fig. 4 Mean blood loss 24 hours after surgery, where blood loss = Volemia x lost Hb (24h)/Hb at admission. Unpaired Student t test.
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Fig. 5 Mean blood loss 60 hours after surgery, where Blood Loss = Volemia x lost Hb (60 h)/Hb at admission. Unpaired Student t test.
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Fig. 6 Length of hospital stay, from surgery to hospital discharge. Unpaired Student t test.
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Fig. 7 Mean visual analog scale (VAS) score reported by patients from both groups over time (from to 2 days and 6 weeks postoperatively; analysis by two-way ANOVA followed by a post hoc paired Student t test).
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Fig. 8 Mean range of motion (ROM) over time, measured with a goniometer. Analysis by two-way ANOVA followed by a post hoc paired Student t test.