Open Access
CC BY-NC-ND 4.0 · Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia: Brazilian Neurosurgery 2018; 37(03): 247-251
DOI: 10.1055/s-0035-1564829
Case Report | Relato de Caso
Thieme Revinter Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Caso clínico: tumor do saco vitelino do lobo temporal

Article in several languages: English | português
Ana de Almeida Matos Monteiro Machado
1   Neurosurgery Service, Hospital Santo Antonio - CHP, Porto, Portugal
,
Ricardo Jorge Ferreira Taipa
2   Neuropathology Department, Hospital Santo Antonio - CHP, Porto, Portugal
,
Manuel Jorge Rocha Melo Pires
2   Neuropathology Department, Hospital Santo Antonio - CHP, Porto, Portugal
,
Carla Maria Esteves Silva
1   Neurosurgery Service, Hospital Santo Antonio - CHP, Porto, Portugal
,
Mário Augusto Cunha Gomes
1   Neurosurgery Service, Hospital Santo Antonio - CHP, Porto, Portugal
› Author Affiliations
Further Information

Address for correspondence

Ana Matos Machado, MD
Serviço Neurocirurgia
Hospital Santo Antonio - CHP, Porto
Portugal   

Publication History

29 May 2015

31 August 2015

Publication Date:
05 October 2015 (online)

 

Resumo

Tumores de células germinativas geralmente se localizam ao longo da linha média. O tumor do saco vitelino é um raro tumor de células germinativas muito incomumente localizado fora da linha média e, nestes casos, pode ser confundido com outros tumores primários. Reportamos o caso de um homem de 32 anos de idade apresentando tumor no lobo temporal direito com suspeita de ser um glioma de alto grau. Foi submetido a uma lobotomia temporal direita com remoção completa do tumor. A histologia revelou um tumor de células germinativas (posteriormente confirmada como tumor do saco vitelino). A busca por tumor primário fora do SNC (incluindo um PETscan) foi negativa, confirmando-o um tumor primário do saco vitelino do lobo temporal. O doente foi a quimio e radioterapia, mas faleceu 7 meses após a cirurgia.


Introdução

Os tumores de células germinativas do sistema nervoso central (SNC) representam 2-3% dos tumores intracranianos primários e estão habitualmente localizados na linha média (regiões pineal ou selar).[1] O tumor do saco vitelino é um tumor germinativo relativamente raro,[2] [3] a ocorrência deste tipo de tumor fora da linha média é excecional, com muito poucos casos descritos na literatura.[1] [2] [4] [5] [6] Quando ocorrem em localizações atípicas são habitualmente lesões com componente cístico e de mau prognóstico.[5]


Caso Clínico

Paciente do sexo masculino, de 32 anos, que recorreu ao serviço de urgência por quadro de cefaleias com 2 semanas de evolução, apresentando estase papilar e não se observando outros sinais neurológicos focais.

A investigação imagiológica revelou uma lesão intra-axial temporal direita com captação heterogênia de contraste e área cística/necrótica ([Fig. 1]). A hipótese do diagnóstico foi de glioma de alto grau.

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Fig. 1 RM pré-operatória revelando lesão temporal direita, hipointensa em T1 (a), com sinal heterogêneo em T2 (b), captação heterogênea de contraste e área cística/necrótica (c,d), com efeito de massa sobre as estruturas da linha média.

O paciente foi submetido a craniotomia frontotemporal direita com lobectomia temporal englobando a lesão na sua totalidade ([Fig. 2]). Tratava-se de uma lesão de consistência dura, vascularizada e com área cística de conteúdo amarelado, macroscopicamente semelhante a um glioma de alto grau.

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Fig. 2 RM pós-operatória (axial, T1, com gadolínio) revelando lobectomia temporal direita com ausência de captação anômala de contraste.

Clinicamente, o doente melhorou no período pós-operatório, ficando sem cefaleias e sem déficits focais.

O exame neuropatológico revelou um tumor de células germinativas formando em alguns locais estruturas tubulares compostas por células com núcleos proeminentes, observando-se numerosas mitoses. O exame imunocitoquímico foi positivo focalmente para a alfafetoproteína e glipican 3 ([Fig. 3]) sendo negativo para a glial fibrillary acidic protein (GFAP), human chorionic gonadotropin (HCG) e marcadores epiteliais. Nesse sentido foi realizada uma investigação sistêmica incluindo positron emission tomography (PET) para pesquisa de um possível tumor primário (admitindo-se que pela localização da lesão cerebral esta seria metastática). A investigação foi negativa, não se encontrando qualquer outro tumor. O estudo do neuroeixo também não revelou outras lesões.

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Fig. 3 Histologia hematoxicilina eosina (HE) (a) demonstrando neoplasia formada por lóbulos de células de núcleos redondos nucleolados, com numerosas mitoses (setas), imunocitoquímica positiva para alfafetoproteína (b) e glipican 3 (c).

O paciente foi orientado para 4 ciclos de quimioterapia – ifosfamida + cisplatina + etoposido (ICE) –, que seria seguida de radioterapia cerebral holocraniana.

Aos 3 meses, sob o terceiro ciclo de quimioterapia, a ressonância magnética (RM) revelou metástases meníngeas intracranianas. Neste momento o paciente mantinha-se clinicamente estável. Foi decidido prosseguir com o quarto ciclo de quimioterapia e posterior radioterapia. Na RM aos 5 meses, mantinha as metástases já conhecidas ([Fig. 4]). Três semanas após este exame, já sob radioterapia, havia uma deterioração neurológica importante, revelando na tomografia axial computorizada (TAC) um crescimento marcado das metástases, bem como novas lesões ([Fig. 5]). Pela ausência de resposta ao tratamento, foi decidido suspender a radioterapia. O paciente deteriorou-se rapidamente até um estado comatoso, falecendo 3 semanas depois, cerca de 7 meses após a cirurgia.

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Fig. 4 RM (axial, T1, com contraste) aos 5 meses com evidência de metástases.
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Fig. 5 TAC (3 semanas após RM ([Fig. 3]), sob radioterapia) revelando crescimento marcado das lesões e lesões de novo.

Discussão

Os tumores de células germinativas dividem-se em dois grandes grupos: os germinomas e os tumores de células germinativas não germinomas (tumor do saco vitelino, coriocarcinoma, carcinomas embrionários e teratomas).[7] Este último grupo acarreta um pior prognóstico.[6] [7]

Na presença de um tumor, em uma criança ou adulto jovem, localizado na linha média, deve ser considerada a hipótese de se tratar de um tumor de células germinativas. Deve então ser efetuada uma pesquisa de marcadores tumorais (alfafetoproteína e beta HCG) no sangue e/ou líquor.

Os germinomas são os tumores mais comuns desse grupo; e neste caso os marcadores são habitualmente negativos, e o diagnóstico exige confirmação histológica através de uma biópsia.[7] Uma vez que este tipo de tumores tem uma excelente resposta à radioterapia, com taxas de regressão a longo prazo na ordem dos 90%, a exérese cirúrgica total não leva a uma melhora do desfecho.[7]

Por outro lado, a positividade da marcação para alfafetoproteína determinará o diagnóstico de tumor do saco vitelino sem necessidade de confirmação histológica para orientação terapêutica.[7] No caso descrito, essa hipótese nunca foi colocada devido à localização da lesão, razão pela qual esse estudo não foi efetuado pré-operatoriamente.

A localização temporal de um tumor do saco vitelino é extremamente rara. Do nosso conhecimento, há 19 casos descritos na literatura[6] [8] sobre a ocorrência deste tumor fora da linha média, com apenas 4 em localização lobar cerebral – os casos restantes descritos ocorreram nos ventrículos laterais, IV ventrículo, tálamos/gânglios da base, cerebelo ou raquis)[6] [8] ([Tabela 1]).

Tabela 1

Localização

Autor

Sexo

Idade (anos)

Tratamento

Sobrevida (meses)

Raquis

Kurisaka et al.

Fem.

1

Cirurgia + QT

8[b]

Raquis

Kan et al.

Fem.

25

Cirurgia + RT + QT

22[b]

Cerebelo

Takeda et al.

Masc.

4

Cirurgia + RT

8[a]

Cerebelo

Tajika et al.

Masc.

3

Cirurgia + QT

4[a]

Cerebelo

Tsukamoto et al.

Masc.

3

Cirurgia + RT + QT

18[a]

Cerebelo

Nakase et al.

Masc.

5

Cirurgia + QT

12[a]

Cerebelo

Wada et al.

Masc.

6

Cirurgia + QT

5[b]

Cerebelo

Cheon et al.

Masc.

3

Cirurgia + QT

48[a]

Gânglios da base

Masuzawa et al.

Masc.

10

Cirurgia + RT

Não descrita[b]

Gânglios da base

Oshita et al.

Fem.

8

Cirurgia + RT + QT

Não descrita[b]

Gânglios da base

Wang et al.

Fem.

7

Cirurgia + RT + QT

Não descrito[b]

Ventrículo lateral

Murovic et al.

Fem.

2

Cirurgia + RT

42[a]

Ventrículo lateral

Tsugu et al.

Fem.

13

Cirurgia + RT + QT

7[b]

Ventrículo IV

Nakagawa et al.

Masc.

18

Cirurgia + RT

5[a]

Lobo frontal

Sugawara et al.

Fem.

18

Cirurgia + RT + QT

3[a]

Lobo frontal

Netalkar et al.

Fem.

15

Cirurgia + QT

36[a]

Lobo frontal

Honda et al.

Masc.

1

Cirurgia + QT

9[b]

Fossa média + órbita

Dragan et al.

Não descrito

15

Cirurgia + QT

5[a]

Lobo temporoparietal

Abdennebi et al.

Fem

1

Cirurgia + RT

Não descrita[b]

Lobo temporal

Caso presente

Masc

32

Cirurgia + QT + RT

7[b]

O diagnóstico definitivo e a correta orientação de um caso como este exige um estudo exaustivo para a exclusão de um tumor primário extracerebral. No nosso caso esse estudo incluiu uma TAC toracoabdominopélvica, ecografia testicular e PET, que foram negativos.

Trata-se de um tumor indiferenciado e agressivo, com fraca resposta ao tratamento complementar. Dada a raridade das histologias dos tumores de células germinativas não germinomas, nas revisões da literatura referentes ao prognóstico e sobrevida estes são muitas vezes agrupados na mesma categoria[7], com sobrevida reportada de 45% aos 2 anos para este subgrupo de tumores.[8] Dos 19 casos descritos fora da linha média[1] [6] à data das respectivas publicações, 4 pacientes tinham falecido em menos de 1 ano (em 4 casos, a sobrevida não foi descriminada). No que diz respeito às modalidades de tratamento complementar, 12 pacientes dos 19 casos foram submetidos a programas de quimioterapia (5 em conjunto com radioterapia).[6] [8] Dois pacientes realizaram o mesmo esquema do caso aqui apresentado. Três pacientes realizaram programas de vimblastina + cisplatina + bleomicina. Dois pacientes fizeram uso de carboplatina + etoposido + bleomicina. Um paciente fez vincristina + cisplatina + bleomicina. Um paciente realizou etoposido + cisplatina + bleomicina. Um paciente foi submetido a carboplatina + vimblastina + etoposido. Um paciente fez uso de metotrexato e citosina intratecais + carboplatina + bleomicina. Um caso fez vimblastina + bleomicina + cisplatina + etoposido.[6]


Conclusão

O tumor do saco vitelino do SNC é um tumor de células germinativas com características agressivas e mau prognóstico.

O presente caso reforça a noção de que, apesar de raro, este tumor pode ocorrer fora da linha média. Não tendo características imagiológicas que o distinga claramente de outros tumores malignos primários do SNC, nomeadamente gliomas de alto grau, deve ser mantido como uma hipótese de diagnóstico em indivíduos jovens, uma vez que a orientação terapêutica e prognóstico são marcadamente diferentes para este tipo de tumor.



No conflict of interest has been declared by the author(s).


Address for correspondence

Ana Matos Machado, MD
Serviço Neurocirurgia
Hospital Santo Antonio - CHP, Porto
Portugal   


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Fig. 1 Preoperative magnetic resonance imaging revealing right temporal lesion, hypointense in T1 (a), with heterogeneous signal in T2 (b), heterogeneous contrast uptake and cystic/necrotic area (c, d), with mass effect on the structures of the midline.
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Fig. 2 Postoperative magnetic resonance imaging (axial, T1, with gadolinium) revealing right temporal lobectomy with absence of anomalous contrast uptake.
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Fig. 3 Hematoxylin eosin (HE) histology (a) demonstrating neoplasia formed by lobules of nucleolated round nuclei, with numerous mitoses (arrows), positive immunocytochemistry for alpha-fetoprotein (b) and glypican 3 (c).
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Fig. 4 Magnetic resonance imaging (axial, T1, with contrast) at 5 months with evidence of metastasis.
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Fig. 5 Computed axial tomography (3 weeks after magnetic resonance imaging [[Fig. 3]] under radiotherapy) revealing marked lesion growth and de novo lesions.
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Fig. 1 RM pré-operatória revelando lesão temporal direita, hipointensa em T1 (a), com sinal heterogêneo em T2 (b), captação heterogênea de contraste e área cística/necrótica (c,d), com efeito de massa sobre as estruturas da linha média.
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Fig. 2 RM pós-operatória (axial, T1, com gadolínio) revelando lobectomia temporal direita com ausência de captação anômala de contraste.
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Fig. 3 Histologia hematoxicilina eosina (HE) (a) demonstrando neoplasia formada por lóbulos de células de núcleos redondos nucleolados, com numerosas mitoses (setas), imunocitoquímica positiva para alfafetoproteína (b) e glipican 3 (c).
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Fig. 4 RM (axial, T1, com contraste) aos 5 meses com evidência de metástases.
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Fig. 5 TAC (3 semanas após RM ([Fig. 3]), sob radioterapia) revelando crescimento marcado das lesões e lesões de novo.