Palavras-chave criptococose - meningite - criptocócica -
cryptococcus neoformans
Keywords cryptococcosis - meningitis cryptococcal - cryptococcus neoformans
Introdução
Criptococose (torulose, blastomicose europeia, doença de Busse-Buschke) é uma micose de origem sistêmica, com porta de entrada inalatória, causada por fungos do complexo Cryptococcus neoformans , atualmente com duas subespécies: Cryptococcus n. neoformans e Cryptococcus n. gattii .[1 ]
[2 ]
Esta micose abrange dois tipos distintos do ponto de vista clínico e epidemiológico: (1) criptococose oportunista, urbana, associada a condições de imunodepressão celular causada predominantemente por Cryptococcus neoformans , frequentemente relaciona-se a habitat de aves, excretas secas, ricas em fontes de nitrogênio, como ureia e creatinina; condições favoráveis ao crescimento abundante desta levedura formam microfocos, notadamente em centros urbanos e relacionados a pombos;[3 ] (2) criptococose primária, de hospedeiro aparentemente imunocompetente, endêmica em áreas tropicais e subtropicais, causada predominantemente por Cryptococcus gattii . Ambas causam meningoencefalite, de evolução grave e fatal, acompanhada ou não de lesão pulmonar evidente, fungemia e focos secundários na pele, ossos, rins, suprarrenal, cerebral entre outros. No momento do diagnóstico encefálico, a lesão pulmonar já não é encontrada. A possível propensão desses organismos para infectarem o sistema nervoso central talvez seja pelos ricos substratos para a fenol oxidase, como a dopamina cerebral.[4 ]
A mortalidade por criptococose é estimada em 10% nos países desenvolvidos, chegando a 43% nos países em desenvolvimento em um tempo médio de sobrevida de 14 dias.[5 ]
Relato do Caso
Paciente masculino de 35 anos, usuário de drogas, com história de cefaleia holocraniana em evolução há 30 dias sem investigações prévias. Após 15 dias do início do quadro, evolui com hemiparesia proporcionada incompleta à esquerda progressiva associada à desorientação e confusão mental. Apresentou primeiro episódio de crise convulsiva tônico-clônica generalizada. Após estabilização clinica, foi realizada investigação radiológica com tomografia computadorizada (TC) de crânio com contraste ([Fig. 1 ]), notando-se duas lesões expansivas cerebrais em região parietotemporal direita com captação perilesional de contraste endovenoso e sinais radiológicos de hipertensão intracraniana. O paciente manteve confusão mental com quadro clinico estável após o uso de corticosteroides. Foi realizada ressonância magnética (RM) de encéfalo ([Fig. 2 ]) para programação de abordagem cirúrgica eletiva com hipóteses diagnósticas de abscesso ou tumor.
Fig. 1 Tomografia computadorizada de crânio pré-operatória com contraste. Lesão na substância branca profunda nos lobos parietal e temporal direitos, hipodensa, com impregnação periférica pelo contraste iodado, e intenso edema perilesional.
Fig. 2 Ressonância magnética (RM) de encéfalo em ponderação T2 − (a) e (b). RM de encéfalo em ponderação T2 FLAIR − (c) e (d). Os exames mostram lesão bem delimitada, altamente hidratada (hipersinal em T2 e supressão parcial do sinal em FLAIR), com edema da substância branca limítrofe, forte efeito de massa, desvio da linha média e hidrocefalia contralateral por compressão do terceiro ventrículo.
Foi realizado procedimento cirúrgico sem intercorrências com ressecção da lesão maior parietal em sua totalidade. O paciente no pós-operatório apresentou melhora completa do déficit neurológico e confusão mental ([Fig. 3 ]). Após o diagnóstico anatomopatológico, de lesão criptocócica, iniciou-se terapia antifúngica com anfotericina B. Foi realizada TC de crânio após 30 dias, verificou-se melhora do edema perilesional e ausência de lesão ([Fig. 4 ]).
Fig. 3 Tomografia computadorizada (TC) de crânio pós-operatória imediata sem contraste − (a) e (b). TC de crânio pós-operatória imediata com contraste − (c) e (d). Os exames mostram remoção total da lesão e pneumoencéfalo residual no leito cirúrgico.
Fig. 4 Tomografia computadorizada (TC) de crânio pós-operatória tardia (30 dias) sem contraste − (a) e (b). TC de crânio pós-operatória tardia (30 dias) com contraste − (c) e (d).
Aspectos Radiológicos da Criptococose Cerebral
Aspectos Radiológicos da Criptococose Cerebral
Os seguintes aspectos podem ser observados em TC de crânio ou RM de encéfalo nos pacientes com criptococose do sistema nervoso central: espaços de Virchow-Robin (VR) dilatados, pseudocistos (também chamados de “pseudocistos gelatinosos” e “bolhas de sabão”, correspondem à proliferação de fungos em espaços de VR invadindo o parênquima circundante ou em espaços de VR confluentes), nódulos intracerebrais ou massas (também chamados de lesões nodulares, granulomas, criptococoma ou abscessos cerebrais fúngicos) e hidrocefalia. As seguintes lesões podem ser consideradas como sequelas neurológicas: infartos isquêmicos, calcificação sem edema periférico ou efeito de massa com ausência de realce com contraste intravenoso[6 ] ([Fig. 5 ]).
Fig. 5 Anatomia patológica. Espécime cirúrgico − (a) e (b): mediu 5,5 cm no maior diâmetro, apresentava boa delimitação, superfície externa levemente irregular e consistência firme; ao corte, havia uma cápsula fibrosa em toda a volta e conteúdo de consistência gelatinosa. HE − (c): abundantes fungos compatíveis com Cryptococcus neoformans , corpo celular redondo e cápsula espessa incolor, em meio a material filamentoso ou grumoso interpretado como fibrina (200x). PAS − (d): fungos em forma de leveduras, justapostos, com parede celular fortemente PAS positiva, cápsula mucopolissacarídica mais fracamente reagente; ausência de reação inflamatória (200x). Grocott − (e): parede celular dos fungos impregna-se em negro pela prata; cápsula mucopolissacarídica não se marca; ao centro, levedura em brotamento simples (400x). Mucicarmim (f): fungos em meio a macrófagos, alguns xantomatosos; ausência de reação granulomatosa (400x).
Discussão
A criptococose é a principal micose que atinge o sistema nervoso central, sendo de distribuição mundial, mais prevalente em países em desenvolvimento e principalmente em pacientes imunossuprimidos. Porém, no caso descrito acima, encontramos uma apresentação rara, acometendo paciente imunocompetente, em sua forma granulomatosa. Cefaleia, confusão mental e crise convulsiva são os principais sintomas encontrados em pacientes com criptococoma cerebral, também vistos em diversas lesões cerebrais como meningites, hemorragias, traumas cranioencefálicos, entre outras.
Após a realização de tomografia computadorizada com contraste, foi notado grande processo expansivo intraparenquimatoso com efeito de massa, grande área de edema vasogênico, desvio de linha média e captação de contraste. Foram aventadas as hipóteses diagnósticas de abscesso cerebral e glioblastoma multiforme. Após ressonância magnética encefálica, realizou-se exérese da lesão expansiva por acesso parietal posterior após confirmação com neuronavegador, o que tornou ainda mais precisa a via de acesso, pois a lesão possuía íntimas relações com a área cortical motora direita. Após a corticectomia, notamos uma massa endurecida de limites precisos, sem sangramento lesional e sem sinais de infiltrações, colocando em dúvida o diagnóstico de glioblastoma multiforme, porém prosseguimos com a ressecção completa da lesão em bloco.
Paciente foi extubado em sala cirúrgica, com melhora completa do quadro de hemiparesia após 24 horas, consciente e orientado em tempo e espaço, com discreta cefaleia pós-operatória.
O diagnóstico anatomopatológico foi criptococose cerebral em sua forma granulomatosa (criptococoma). Imediatamente, iniciamos tratamento com anfotericina B e mantivemos o paciente em internação hospitalar. A tomografia computadorizada após 30 dias mostrou ressecção completa da lesão, sem recidivas, e diminuição da lesão temporal remanescente.
Este relato de caso mostra que, principalmente em países em desenvolvimento e apesar de extremamente rara, temos que levar em consideração a criptococose como diagnóstico diferencial de lesões expansivas cerebrais em pacientes imunocompetentes. Neste caso, a indicação cirúrgica inicial deveu-se ao grande efeito de massa da lesão e à necessidade de diagnóstico etiológico. Seguiu-se terapia adjuvante por anfotericina B com melhora completa do déficit neurológico já no pós-operatório imediato.