CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2020; 55(01): 125-129
DOI: 10.1016/j.rbo.2018.02.006
Relato de Caso
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revinter Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Neurotequeoma intraósseo da mão de um jovem de 16 anos[*]

Article in several languages: português | English
1   Serviço de Ortopedia Pediátrica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Hospital Pediátrico, Coimbra, Portugal
,
Inês Maria Spencer Balacó
1   Serviço de Ortopedia Pediátrica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Hospital Pediátrico, Coimbra, Portugal
,
Cristina Marta da Gama Gomes Alves
1   Serviço de Ortopedia Pediátrica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Hospital Pediátrico, Coimbra, Portugal
,
António Gabriel de Almeida Matos
1   Serviço de Ortopedia Pediátrica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Hospital Pediátrico, Coimbra, Portugal
› Author Affiliations
Further Information

Endereço para correspondência

João José Lobato Guimarães Ferreira Cabral
Serviço de Ortopedia Pediátrica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Hospital Pediátrico, Coimbra 3000-602
Portugal   

Publication History

07 January 2018

27 February 2018

Publication Date:
19 December 2019 (online)

 

Resumo

Os tumores dos tecidos moles são raros em idade pediátrica. Descrito pela primeira vez 1969 como um mixoma da bainha nervosa, o neurotequeoma é uma lesão tumoral benigna com presumível origem na bainha nervosa. Ocorre maioritariamente em crianças do sexo feminino e apresenta-se como uma massa de crescimento lento, subcutânea, assintomática e sem alteração da pigmentação local. Localiza-se predominantemente na cabeça, no pescoço, e nas extremidades dos membros superiores. Os autores apresentam um caso clínico de um jovem de 16 anos do sexo masculino com massa tumoral com origem na bainha nervosa no 4° metacarpo esquerdo, intraóssea e recidivada após ressecção cirúrgica 2 anos antes do estudo. Foi feita ressecção marginal da massa tumoral localizada sobre a região distal do quarto metacarpo e curetagem da falange proximal e preenchimento com enxerto ósseo autólogo corticoesponjoso. O paciente apresentou uma evolução clínica pós-operatória favorável, sem queixas álgicas e sem limitações da mobilidade dos dedos da mão. Radiologicamente, foi observado preenchimento trabecular progressivo da falange proximal do quarto metacarpo. Aos 17 meses de seguimento, o paciente se encontra assintomático e não apresenta quaisquer sinais de recidiva. Com a descrição deste caso, os autores pretendem aumentar a familiaridade com essa rara patologia, seu diagnóstico e tratamento.


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Introdução

O neurotequeoma é uma neoplasia benigna rara, predominantemente cutânea, com origem presumível na bainha nervosa. Ocorre maioritariamente em crianças do sexo feminino e apresenta-se como uma massa assintomática de crescimento lento, subcutâneo, e sem alteração da pigmentação local. Localiza-se predominantemente na cabeça, no pescoço, e nas extremidades dos membros superiores.[1] [2]

Apresentamos um caso clínico de um jovem de 16 anos do sexo masculino com uma massa tumoral com origem na bainha nervosa cubital do 4∘ dedo da mão esquerda, intraóssea e recidivada após ressecção cirúrgica prévia 2 anos antes da nossa observação. Com a descrição deste caso, pretendemos aumentar a familiaridade dos médicos com essa patologia rara, e com seu diagnóstico e tratamento.


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Caso Clínico

Apresentamos o caso clínico de um jovem de 16 anos, sexo masculino, referenciado ao nosso hospital em 2012 por uma suspeita de tumor de células gigantes da bainha do tendão flexor do 4∘ dedo da mão esquerda, recidivado após resseção marginal havia 2 anos ([Fig. 1]).

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Fig. 1 Controle radiológico no seguimento do hospital de origem, em 2010.

Nos dois anos que se seguiram, o paciente notou reaparecimento lento e progressivo da tumefação com desconforto e edema ocasional. Não apresentava limitação funcional.

Feito RX de controle ao fim de 2 anos de sintomatologia progressiva, constatou-se uma lesão intraóssea, lítica, septada, com insuflação da cortical, localizada na base da falange proximal do 4∘ dedo da mão esquerda ([Fig. 2]).

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Fig. 2 Lesão intraóssea, lítica, septada, com insulação da cortical, localizada na base da falange proximal do 4∘ dedo da mão esquerda.

Em 2012, já no nosso hospital, ao exame físico, apresentava tumefação da região dorsal da falange proximal do 4∘ dedo da mão esquerda, sem alterações tróficas cutâneas e dor à palpação local. Não eram aparentes restrições na mobilidade do dedo ou alterações neurovasculares distais.

Na ressonância magnética (RM) feita em 10 de outubro de 2012, observa-se, na vertente posterior dos tendões flexores do 4∘ dedo, uma lesão tumoral lobulada com epicentro na medula óssea da falange proximal do 4∘ dedo, hipointensa em T1, hiperintensa e ligeiramente heterogênea nas imagens ponderadas em T2 e densidade de prótons (DP) ([Fig. 3]). Essa lesão condicionava insuflação da medula da porção proximal da primeira falange do 4∘ dedo, com aparente rotura e erosão da cortical, envolvendo e rodeando os tendões flexores, sobretudo na sua vertente posterior e anterointerna.

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Fig. 3 Ressonância magnética nuclear, T2, invasão tumoral endomedular com extensão aos tecidos moles.

Foi feita biópsia intralesional da massa de tecidos moles da região volar e cubital do 4∘ raio da mão esquerda em 8 de novembro de 2012. O diagnóstico histológico e imuno-histoquímico foi de neurotequeoma.

Em 3 de janeiro de 2013, foi feita ressecção marginal da massa tumoral localizada sobre a região distal do 4∘ metacarpo ([Fig. 4]) e curetagem da falange proximal do 4∘ raio, que apresentava invasão intraóssea local ([Fig. 5]). Efetuou-se preenchimento com enxerto ósseo autólogo corticoesponjoso, colhido do olecrâneo homolateral ([Fig. 6]). O paciente foi imobilizado pós-operatoriamente com gesso braquipalmar, que manteve por 3 semanas até a consulta de seguimento.

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Fig. 4 Invasão tumoral dos tecidos moles rodeando os tendões flexores.
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Fig. 5 Lesão tumoral intraóssea com destruição da cortical.
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Fig. 6 Raio-X pós-operatório com visualização do enxerto ósseo autólogo corticoesponjoso.

No exame macroscópico dos fragmentos biopsados, observavam-se formações nodulares constituídas por tecido esbranquiçado e firme. Microscopicamente, as áreas nodula compreendem proliferação de células de núcleo relativamente monomórfico, ovalado, com cromatinafina, mostrando citoplasma eosinófilo de limites mal definidos. Multifocalmente, observou-se agregação celular tipo “glomeruloide” centrada por pequeno capilar sanguíneo. A proliferação mostrou ser negativa para o antígeno da membrana epitelial (AME), mas foi fortemente imunorreativa para a proteína S100 ([Fig. 7]). Tratava-se, portanto, de uma proliferação neoplásica de tecidos moles com diferenciação Schwânica com características histomorfológicas celulares e de estrutura que a enquadravam num neurotequeoma.

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Fig. 7 Fotomicrografia do neurotequeoma com coloração imuno-histoquímica para proteína S100 (100 × ).

O paciente manteve uma evolução clínica pós-operatória favorável, sem queixas álgicas e sem limitações da mobilidade dos dedos da mão. Em nível radiológico observou-se preenchimento trabecular progressivo da falange proximal do 4∘ dedo da mão ([Fig. 8]).

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Fig. 8 Controle após 17 meses de pós-operatório.

Aos 17 meses de seguimento, o paciente encontra-se assintomático e não apresenta quaisquer sinais de recidiva.


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Discussão

Os tumores dos tecidos moles são raros em idade pediátrica. Descrito pela primeira vez por Harkin e Reed em 1969[3] como mixoma da bainha nervosa, o neurotequeoma é uma lesão tumoral benigna com presumível origem na bainha nervosa. O termo neurotequeoma foi descrito por Gallager e Helwing em 1980 (do grego: theke – bainha) para conotar a aparência histológica em ninho.[2] Apesar das suas características serem sobreponíveis a outros tumores do tecido nervoso, como Schwannoma ou neurofibroma, é uma entidade clinicopatológica distinta.[4]

As variações histológicas permitem a classificação em neurotequeoma mixoide, celular, e misto, depende da quantidade de tecido mixoide e celular presente. São tumores não capsulares compostos por múltiplos nódulos celulares separados por bandas finas de colágeno. Ocasionalmente estão presentes células multinucleadas gigantes.[1] [4]

A origem parenquimatosa do neurotequeoma permanece presumível. Por diferenciação neuronal – apresenta áreas mixoides semelhantes ao clássico neurotequeoma mixoide. Por diferenciação de músculo liso – variante miofibroblástica ou epitelioide do dermatofibroma representado pelo neurotequeoma celular.

Desde a sua primeira caracterização que se descreve que a célula de origem é a célula de Schwann que inerva os vasos sanguíneos.[1]

Um recente marcador imuno-histoquímico permite a diferenciação entre o neurotequeoma mixoide, neurotequeoma melanocítico, e tumores do sistema nervoso – anti-S100A6, anticorpo com grande sensibilidade para o neurotequeoma.[4]

O neurotequeoma, que tem mais frequentemente uma apresentação dérmica, faz diagnóstico diferencial, em idade pediátrica, com tumores histiocíticos de origemfibromatosa, linfocítica, melanocítica, e neural.[5]

O tratamento indicado é resseção cirúrgica, completa, da lesão e parece ser o tratamento definitivo, sem que cause lesão neurológica.[6] [7] [8] [9] [10]

A resseção incompleta leva a recidiva e invasão local.[5] Uma vez que os neurotequeomas do tipo mixoide e celular são lesões benignas, não há registros de metastização e esse tipo de lesão não beneficia de radioterapia ou quimioterapia adjuvante.[5] O seguimento dos pacientes é necessário para detectar recidivas locais, no caso de resseções incompletas.

O diagnóstico diferencial do neurotequeoma deverá englobar[1]:

Quistos epidermoides, dermatofibromas, tumores de músculo liso, tumores fibro-histiocíticos, lipomas;

Melanomas, que podem ser de difícil distinção histológica com o neurotequeoma celular (os tumores melanocíticos são positivos para S100, enquanto que os neurotequeomas celulares são negativos para o S100);

Schwannomas, semelhantes ao neurotequeoma do tipo mixoide; meningiomas, neurofibroma mixoide espinhal.


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Conclusão

Este é o primeiro caso descrito de um neurotequeoma intraósseo expansivo e destrutivo do 4∘ raio de uma mão. A excisão completa da lesão é curativa.


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

* Trabalho feito no Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal. Originalmente Publicado por Elsevier Editora Ltda


  • Referências

  • 1 Iacob G, Tene S, Iuga M, Simion G. A very rare, petro-clival, neurothekeoma tumor. Case Report. Romanian Neurosurg. 2015; 29 (03) 239-246
  • 2 Gallager RL, Helwig EB. Neurothekeoma--a benign cutaneous tumor of neural origin. Am J Clin Pathol 1980; 74 (06) 759-764
  • 3 Harkin JC, Reed RJ. Tumors of the peripheral nervous system. Atlas of Tumor Pathology. Washington, D. C: Armed Forces Institute of Pathology; 1969
  • 4 Laskin WB, Fetsch JF, Miettinen M. The “neurothekeoma”: immunohistochemical analysis distinguishes the true nerve sheath myxoma from its mimics. Hum Pathol 2000; 31 (10) 1230-1241
  • 5 Ding YI, Zou F, Peng W. , et al. A giant neurothekeoma of the left shoulder blade: A case report. Oncol Lett 2016; 11 (02) 1130-1134
  • 6 Uygur S, Ayhan S, Kandal S, Gureli M, Uluoglu O. Giant neurothekeoma in the forearm of an infant. J Plast Reconstr Aesthet Surg 2009; 62 (08) e259-e262
  • 7 Bhaskar AR, Kanvinde R. Neurothekeoma of the hand. J Hand Surg [Br] 1999; 24 (05) 631-633
  • 8 Blumberg AK, Kay S, Adelaar RS. Nerve sheath myxoma of digital nerve. Cancer 1989; 63 (06) 1215-1218
  • 9 Donofrio V, Passeretti U, Russo S, Boscaino A, De Rosa G. Neurothekeoma of the thumb. A case report. Tumori 1988; 74 (06) 751-754
  • 10 Kaltman J, Best S, Kaltman S, Lopez E, Velez I. Intraosseous neurothekeoma of the mandible: a rare occurrence. Inter J of Oral Maxil Pathol. 2012; 3 (01) 13-17

Endereço para correspondência

João José Lobato Guimarães Ferreira Cabral
Serviço de Ortopedia Pediátrica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Hospital Pediátrico, Coimbra 3000-602
Portugal   

  • Referências

  • 1 Iacob G, Tene S, Iuga M, Simion G. A very rare, petro-clival, neurothekeoma tumor. Case Report. Romanian Neurosurg. 2015; 29 (03) 239-246
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  • 10 Kaltman J, Best S, Kaltman S, Lopez E, Velez I. Intraosseous neurothekeoma of the mandible: a rare occurrence. Inter J of Oral Maxil Pathol. 2012; 3 (01) 13-17

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Fig. 1 Controle radiológico no seguimento do hospital de origem, em 2010.
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Fig. 2 Lesão intraóssea, lítica, septada, com insulação da cortical, localizada na base da falange proximal do 4∘ dedo da mão esquerda.
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Fig. 3 Ressonância magnética nuclear, T2, invasão tumoral endomedular com extensão aos tecidos moles.
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Fig. 4 Invasão tumoral dos tecidos moles rodeando os tendões flexores.
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Fig. 5 Lesão tumoral intraóssea com destruição da cortical.
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Fig. 6 Raio-X pós-operatório com visualização do enxerto ósseo autólogo corticoesponjoso.
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Fig. 7 Fotomicrografia do neurotequeoma com coloração imuno-histoquímica para proteína S100 (100 × ).
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Fig. 8 Controle após 17 meses de pós-operatório.
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Fig. 1 Radiological control in the hospital of origin follow-up, in 2010.
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Fig. 2 Intraosseous lesion, lytic, septate, with cortical insufflation, located at the base of the proximal phalanx of the 4th finger of the left hand.
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Fig. 3 Nuclear magnetic resonance, T2, endomedullary tumor invasion extending to the soft tissue.
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Fig. 4 Soft tissue tumor invasion surrounding the flexor tendons.
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Fig. 5 Intraosseous tumor lesion with cortical destruction.
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Fig. 6 Postoperative X-ray with visualization of autologous cortico-cancellous bone graft.
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Fig. 7 Photomicrograph of neurothekeoma with immunohistochemical staining for protein S100 (100 ×).
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Fig. 8 Control after 17 months postoperatively.