Introdução
Nas cirurgias ortopédicas, os principais objetivos são a restauração total da biomecânica[1] e da anatomia.[2] Para isso, existe grande variedade de material e métodos para tratamento de luxações
e fraturas, como placas, parafusos, hastes intramedulares, pinos etc. Da mesma forma,
também existem vários tipos e modelos de fios cirúrgicos para sutura e reparo de ligamentos.
Como exemplo, podemos citar que a literatura recomenda uma variedade de procedimentos
para o tratamento das lesões da articulação acromioclavicular que incluem fixação
com pinos através da articulação acromioclavicular, transferência do ligamento coracoacromial
pela técnica de Weaver-Dunn, fixação entre a clavícula e o processo coracoide, uso
de placas, transferência muscular, amarrilho coracoclavicular com fios inabsorvíveis
de grosso calibre, entre outros.[3]
Para que sejam usados fios de sutura com o intuito de manter a redução cirúrgica da
articulação acromioclavicular, como, por exemplo, na técnica de amarrilho coracoclavicular,
é necessário que eles tenham a capacidade de resistir às forças de tração a que normalmente
são submetidos os ligamentos responsáveis pela estabilidade da articulação, em especial
os coracoclaviculares, responsáveis pela estabilidade vertical da articulação. Além
disso, o material ideal para a sutura deve ser de boa manipulação, ou seja, permitir
um nó fácil, mínimo desconforto no dedo do cirurgião e boa capacidade de fixação.[4] O aspecto de resistência às forças de tração nos motivou a estudar as propriedades
dos diversos fios de sutura e definir quais os melhores para serem usados em cirurgias
ortopédicas.
O objetivo foi avaliar as propriedades dos fios de sutura normalmente usados em cirurgias
ortopédicas e caracterizar seus comportamentos por meio de ensaios de tração, para
verificar qual deles tem maior resistência mecânica.
Material e métodos
Este estudo avaliou o comportamento mecânico de quatro tipos de fios de sutura, comumente
usados no tratamento cirúrgico da luxação acromioclavicular: Ethibond® n∘ 2, Ethibond® n∘ 5, HiFi® n∘ 2 e FiberWire® n∘ 2 ([Fig. 1]). Os fios Ethibond® n∘ 2 e Ethibond® n∘ 5 são suturas não absorvíveis esterilizadas constituídas de poliéster, com construção
multifilamentar tranc¸ ada e recobertos de polibutilato. A sutura FiberWire® n∘ 2 é não absorvível e esterilizada, constituída por uma cadeia longa de multifilamentos
com o núcleo de polietileno de peso molecular ultraelevado (UHMWPE) e revestida de
poliéster entrançado. O fio de sutura Hi-Fi® n∘ 2 é não absorvível, com estrutura trançada e sua composição também é baseada no
polietileno de peso molecular ultraelevado.
Fig. 1 Amostras dos fios de sutura HiFi® n∘ 2, FiberWire® n∘ 2, Ethibond® n∘ 2 e Ethibond® n∘ 5 .
Os ensaios de tração dos diferentes tipos de fios de sutura foram feitos na máquina
de ensaios mecânicos BME 10 kN, com uma célula de carga de capacidade máxima de 50
kgf ([Fig. 2]). Foram ensaiadas sete amostras de cada tipo de fio de sutura, sem a presença do
nó, fixou-se cada uma das extremidades da amostra na garra metálica própria para o
ensaio de fios e manteve-se o comprimento inicial de 5 cm ([Fig. 3]). Os ensaios foram feitos com uma velocidade de 20 mm/min e à temperatura ambiente,
registraram-se os dados de força máxima e deslocamento máximo na ruptura dos fios.
Fig. 2 Aparato experimental dos ensaios de tração: máquina de ensaios mecânicos BME 10 kN,
célula de carga de 50 kgf e garras de fixação.
Fig. 3 Garra metálica própria para o ensaio de fios com a manutenção do comprimento inicial
de 5 cm.
Resultados
Nos ensaios feitos foram obtidos os valores das forças máximas de ruptura (N), bem
como a média deles. Também foram calculados os deslocamentos máximos na ruptura de
cada fio (mm), bem como a média, o fio Ethibond® n∘ 2 apresentou uma força média de ruptura de 97,98 N e um deslocamento médio na
ruptura de 35,24 mm ([Fig. 4]). Já o fio Ethibond® n∘ 5 apresentou uma força média de ruptura de 207,38 N e um deslocamento médio na
ruptura de 37,98 mm ([Fig. 5]). Nos testes com a sutura HiFi® n∘ 2 foi obtida uma força média de ruptura de 213,39 N e um deslocamento médio na
ruptura de 72,90 mm ([Fig. 6]). O maior valor de força de ruptura foi encontrado para o fio FiberWire® n∘ 2 (240,17 N), que obteve um deslocamento médio na ruptura de 34,19 mm ([Fig. 7]). Os valores médios da força de ruptura obtidos nos ensaios foram comparados no
gráfico mostrado na [Fig. 8].
Fig. 4 Gráfico dos valores de força deformação dos ensaios do fio Ethibond® n∘ 2.
Fig. 5 Gráfico dos valores de força deformação dos ensaios do fio Ethibond® n∘ 5.
Fig. 6 Gráfico dos valores de força deformação dos ensaios do fio HiFi® n∘ 2.
Fig. 7 Gráfico dos valores de força deformação dos ensaios do fio FiberWire® n∘ 2.
Fig. 8 Gráfico de comparação das forças médias de ruptura dos fios testados.
Discussão
Os fios de sutura são usados em cirurgias ortopédicas com a finalidade de fechamento
de feridas, reparação de fáscia, músculos, tendões, ligamentos, cápsulas articulares
e cerclagem ou banda de tensão de certas fraturas. A qualidade da reparação de tecidos
depende de variáveis múltiplas, que incluem as características do tecido, as propriedades
do material da sutura e a técnica cirúrgica usada. A escolha do material de sutura
tem implicações importantes na reparação de tecidos, portanto resultados cirúrgicos
adversos podem ser evitados pela seleção dele de acordo com a indicação diagnóstica.[5]
Tradicionalmente, no processo cirúrgico, eram usadas suturas de poliéster trançadas
e não absorvíveis, pois esses tipos de sutura se mostravam mais resistentes e com
menor tendência ao deslizamento do que as suturas de monofilamento de polidiaxonona
(PDS) absorvível. Entretanto, fatores como a frequente ruptura da sutura e a menor
resistência conduziram ao desenvolvimento de suturas trançadas e não absorvíveis de
uma polimistura, constituída de polietileno, poliéster e PDS. Assim, surgiram inúmeros
fios de sutura com essas características, como, por exemplo, os fios FiberWire® e HiFi®,8 e seu uso tornou-se um procedimento comum em ortopedia.
Para que sejam usados fios de sutura com o intuito de manter a redução cirúrgica da
articulação acromioclavicular, por exemplo, como na técnica de amarrilho coracoclavicular,
eles devem ter a capacidade de resistir às forças de tração a que normalmente são
submetidos os ligamentos envolvidos na estabilidade da articulação, em especial os
coracoclaviculares, responsáveis pela estabilidade vertical.[6]
A literatura mostra que o ligamento coracoclavicular intacto suporta força de tração
máxima de 500 ± 134 N, uma rigidez de 103 ± 30 N/mm e alongamento na ruptura de 7,7 ± 1,9 mm,
não há diferença significativa entre a contribuição do ligamento trapezoide e do conoide
nessa configuração. O ligamento conoide isolado apresenta resistência máxima de 394 ± 170 N,
rigidez de 105 ± 45 N/mm e alongamento de 7,1 ± 2,1 mm. Para o ligamento trapezoide
isolado foi encontrada a resistência máxima de 440 ± 118 N, rigidez de 84 ± 18 N/mm
e alongamento de 9,2 ± 2,6 mm.[7]
Estudo feito por Wüst et al[8] teve o objetivo de comparar as propriedades mecânicas das suturas não absorvíveis
de polimistura trançada, FiberWire®, Hi-Fi®, Orthocord® e Ultrabraid®, com a sutura convencional de poliéster trançado, Ethibond®, e as suturas absorvíveis de monofilamento de polidioxanona, PDS II e Ethicon®, todas n∘ 2. O trabalho teve como hipótese inicial que as suturas de polimistura
são superiores às de poliéster trançado convencional e às de monofilamento degradável,
em relação aos parâmetros de resistência à tração e alongamento máximo, mas requerem
configurações de nó mais estáveis. Os ensaios foram feitos com a velocidade de 60
mm/min e à temperatura ambiente. Comparados aos obtidos por Wüst et al,[8] os resultados deste trabalho confirmaram que as suturas polimistura apresentam propriedades
mecânicas vantajosas. Entretanto, os diferentes tipos de sutura polimistura têm diferenças
significativas em suas propriedades. Todas as suturas polimistura testadas sem o nó
foram de 2 a 2,5 vezes mais resistentes do que a sutura de poliéster e a de polidioxanona.
Nos testes de resistência à tração das suturas sem nó, observou-se que o fio FiberWire® apresentou o maior valor de carga máxima de ruptura, 263 N, e o fio Ethibond® apresentou força máxima de 110 N. Esses valores são condizentes com os obtidos no
trabalho em questão: 240,17 N e 97,98 N para os fios FiberWire® e Ethibond® n∘ 2, respectivamente.[8]
O trabalho de Wright et al[9] estudou o comportamento das suturas não danificadas e danificadas testadas por ensaios
de tração, além do desgaste das suturas que são passadas através das âncoras. A força
de tração foi aplicada em um dos ensaios a 90∘ e em outro ensaio a 180∘, no qual a
sutura foi tracionada através do orifício da âncora de sutura. Foram testadas 20 amostras,
10 danificadas e 10 intactas, de cada sutura de n∘ 2 de diferentes materiais: polidiaxanone
(PDS), Ethibond®, Tevdek®, Orthocord® e FiberWire®, sempre em ambiente seco e a temperatura ambiente. A partir dos ensaios de tração
para a ruptura da sutura foram determinados o módulo de elasticidade e a resistência
à tração máxima. O teste de tração até a ruptura foi feito em uma máquina de ensaio
MTS 858 Bionix, com velocidade de 60 mm/min. Para os fios não danificados, o FiberWire® obteve os maiores valores de carga de ruptura máxima (255,3 ± 10,37 N), seguido por
Orthocord® (214,22 ± 11,63 N), PDS (141,22 ± 7,62 N), Tevdek® (116,61 ± 1,13 N) e Ethibond® (114,58 ± 1,58 N). Esses valores estão em concordância com os obtidos neste estudo,
que foram de 240,17 N e 97,98 N, para os fios FiberWire® e Ethibond® n∘ 2, respectivamente.[9]
As propriedades biofísicas dos fios de sutura de alta resistência, FiberWire® n∘ 2, Orthocord® n∘ 2, HiFi® n∘ 2 e Ultrabraid® n∘ 2, foram analisadas por microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura
e testes mecânicos no trabalho de Jhamb et al.[10] Os diferentes tipos de sutura foram carregados até a ruptura sem a presenc¸a de
nó em um dispositivo de teste Bionix 858 MTS, com uma célula de carga de 2 kN para
registrar as curvas de carga × deslocamento. As amostras ensaiadas tinham o comprimento
de 5 cm e a velocidade usada no teste foi de 10 mm/min. A sutura Ultrabraid® obteve nos testes de tração a resistência máxima de 264 N, seguida pela FiberWire® com 238 N, HiFi® com 215 N e Orthocord® com 212 N. O valor obtido para a força de ruptura neste estudo para o fio FiberWire® foi de 240,17 N e para o fio HiFi® de 221,96 N, estão de acordo com os valores apresentados no trabalho de Jhamb et
al.[10]
A revisão destes trabalhos da literatura citados anteriormente mostrou diferentes
velocidades adotadas para os ensaios de tração nos fios de sutura, que vão de 10 mm/min
a 60 mm/min. A velocidade de 20 mm/min está em um patamar entre esses valores e por
isso foi a adotada por nós. Acreditamos que essa pequena diferença na velocidade não
tem relevância nos resultados.
O estudo desenvolvido demonstrou superioridade dos fios da polimistura polietileno,
poliéster e PDS (FiberWire® n∘ 2 e HiFi® n∘ 2) sobre os fios constituídos de poliéster, com construção multifilamentar trançada
e recoberto de polibutilato (Ethibond® n∘ 5 e n∘ 2). O FiberWire® n∘ 2 e o Hifi® n∘ 2 apresentaram, respectivamente, força de ruptura média de 240,17 N e 213,38 N;
enquanto o fio Ethibond® n∘ 5 resistiu a 207,38 N e o Ethibond® n∘ 2 a 97,98 N.
Nenhum fio apresentou isoladamente uma resistência à tração superior à descrita na
literatura para os ligamentos coracoclaviculares. Entretanto, o estudo não fez sutura
semelhante aos amarrilhos coracoclaviculares feitos in vivo, e sim ensaios com amostras
de fios isolados, fixados em garras metálicas. Por isso devem ser feitos novos estudos
de tração com modelos biomecânicos que representem de forma simplificada a anatomia
do ombro e os amarrilhos coracoclaviculares, para que uma melhor comparação entre
a resistência dos ligamentos e dos amarrilhos com fios de sutura seja feita.
Conclusão
Os fios de sutura não absorvíveis de polimistura trançada, de surgimento mais recente,
são superiores ao fio de sutura convencional de poliéster trançado. Dentre os fios
testados, o mais resistente às forças de tração é o FiberWire® n∘ 2, seguido do HiFi® n∘ 2. Demonstraram-se menos resistentes os fios Ethibond® n∘ 5 e Ethibond® n∘ 2, o último foi o menos resistente.