Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2019; 54(02): 149-155
DOI: 10.1016/j.rbo.2017.10.012
Original Article | Artigo Original
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revnter Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Tratamento de fraturas patológicas tumorais diafisárias do úmero com haste intramedular rígida bloqueada estática – Experiência de 22 anos[*]

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Diogo Lino Moura
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
,
Filipe Alves
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
,
Rúben Fonseca
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
,
João Freitas
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
,
José Casanova
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
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Diogo Lino Moura
Serviço de Ortopedia e Traumatologia
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra
Portugal   

Publikationsverlauf

10. August 2017

31. Oktober 2017

Publikationsdatum:
25. März 2019 (online)

 

Resumo

Objetivo Estudo retrospectivo observacional em pacientes submetidos à fixação com haste intramedular de fratura patológica tumoral consumada ou iminente da diáfise do úmero em contexto de doença tumoral disseminada ao longo de 22 anos na mesma instituição.

Métodos Amostra com 82 pacientes e 86 fixações do úmero com haste intramedular rígida bloqueada estática não fresada anterógrada ou retrógrada.

Resultados Os tumores primários mais prevalentes foram carcinoma da mama (30,49%), mieloma múltiplo (24,39%), adenocarcinoma do pulmão (8,54%) e carcinoma das células renais (6,10%). O tempo médio de intervenção cirúrgica para fixação com haste foi 90,16 ± 42,98 minutos (40-135). Todos os pacientes referiram melhoria das queixas álgicas no nível do braço e velicou-se melhoria do score MSTS médio de 26% no pré-operatório para 72,6% na avaliação efetuada nos pacientes ainda vivos aos três meses de pós-operatório. A taxa de sobrevivência aos três meses após a cirurgia foi de 69,50%, 56,10% aos seis meses, 26,70% em um ano e 11,90% em dois anos. Nenhuma das mortes decorreu da cirurgia ou de complicações dela. Apenas se registaram quatro complicações relacionadas com a cirurgia, uma intraoperatória e três tardias, corresponderam a risco de complicações de 4,65%.

Conclusão O uso de haste intramedular não fresada estática bloqueada (anterógrado ou retrógrado) no úmero é um método rápido, seguro, eficaz e com baixa morbilidade no tratamento das fraturas patológicas da diáfise umeral, garante fixação estável do braço e consequentemente melhora a funcionalidade e a qualidade de vida desses pacientes durante a sua curta expectativa de vida.


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Introdução

A patologia tumoral óssea, em particular a doença metastática óssea, tem vindo a registar um franco aumento da frequência nos últimos anos, os ossos longos são sede frequente desse tipo de lesão. O úmero constitui o segundo local mais afetado por doença metastática no esqueleto apendicular (16% a 20% dos casos), segue-se ao fémur.[1] [2] [3] As lesões metastáticas do úmero são mais frequentemente lesões líticas, condicionam fragilidade óssea e aumentam o risco de fratura, no entanto apenas 8% a 10% dessas evoluem para fratura consumada ou iminente. As fraturas patológicas do úmero constituem 16% a 39% de todas as fraturas patológicas dos ossos longos.[1] [4] [5] [6] [7] Em regra geral, a fratura patológica da diáfise do úmero ocorre tardiamente na evolução da doença tumoral após um traumatismo menor ou espontaneamente durante atividades da vida diária e é um importante fator de prognóstico negativo e de morbilidade, causa dor, perda da função do membro e da independência do paciente, necessita muitas vezes de cuidados de apoio, de higiene e outros, o que reduz significativamente a qualidade de vida do paciente no seu curto tempo de vida expectável (de aproximadamente um ano após aparecimento de metástases ósseas em doença tumoral disseminada).[1] [2] [4] [5] [8] [9] [10] [11] [12] A opção de tratamento conservador com imobilização nas fraturas patológicas do úmero demonstrou fracos resultados, com insuficiente redução da dor e pouca melhoria da função, sobretudo devido ao reduzido potencial de consolidação dessas fraturas devido aos efeitos biológicos e mecânicos do tumor.[3] [4] [5] [6] [8] [10] [11] Face a isso, atualmente a cirurgia de osteossíntese é o tratamento gold-standard das fraturas patológicas diafisárias do úmero em contexto de doença tumoral disseminada, desde que o paciente não apresente contraindicações ao procedimento.[1] [3] [10] [11] [13] [14] [15] [16] [17] Esse tratamento é essencialmente paliativo e tem como objetivos a estabilização eficaz imediata da fratura (não se pode contar nem esperar pela consolidação), o alívio da dor e a recuperação da mobilidade do membro, procura devolver independência funcional e qualidade de vida o mais precocemente possível, de preferência sem necessidade de mais intervenções cirúrgicas. A reduzida invasibilidade e a mínima agressão dos tecidos da técnica cirúrgica, bem como bons resultados tanto na estabilização imediata, alívio álgico e rápida recuperação funcional como na reduzida taxa de complicações decorrentes da cirurgia, tornaram os encavilhamentos intramedulares fechados do úmero a opção de eleição face a fraturas patológicas consumadas ou eminentes da sua diáfise.[1] [3] [4] [5] [6] [7] [10] [13] [14] [15] Apesar de não ser um tratamento inovador, os trabalhos efetuados acerca desse método específico de osteossíntese no contexto de fraturas patológicas do úmero e dos seus resultados são escassos e têm amostras pequenas. O objetivo deste estudo é analisar uma série de pacientes tratados com fixação intramedular com cavilha não fresada bloqueada estática em fraturas patológicas diafisárias do úmero e os resultados clínico-funcionais e radiográficos obtidos, tendo em particular atenção o tempo de sobrevivência pós-fixação e as complicações decorrentes da cirurgia.


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Material e métodos

Desenvolvemos um estudo retrospetivo observacional em 101 pacientes consecutivos submetidos a estabilização paliativa do úmero com cavilha intramedular não fresada rígida aparafusada estática após diagnóstico de fratura patológica consumada ou iminente (essas últimas definidas como tendo score de Mirels[18] superior a 8) da diáfise do úmero em contexto de doença tumoral disseminada ao longo de 22 anos na mesma instituição. Dezanove pacientes foram excluídos da amostra devido à obtenção insuficiente de dados sobre os mesmos, a amostra final é constituída por 82 pacientes. A avaliação incluiu colheita de dados demográficos, da localização e do tipo de neoplasia primária, da distribuição regional da lesão tumoral do úmero ao longo da sua diáfise, do tempo da intervenção cirúrgica, da via de encavilhamento efetuada, das dimensões da cavilha aplicada, do tempo de internamento, das complicações e do tempo de sobrevivência após cirurgia.

Foi efetuada uma avaliação clínica e funcional do membro superior com base na escala Musculo-Skeletal Tumor Society (MSTS).[19] Fez-se ainda uma avaliação radiográfica do úmero, se considerou como definição de consolidação o desaparecimento da hipotransparência da fratura patológica e a presença de calo ósseo. Todos os encavilhamentos foram fechados, não fresados e o bloqueio da cavilha foi estático e efetuado com três ou quatro parafusos bicorticais proximais e distais. Todos os pacientes foram avaliados em consulta de ortopedia às seis semanas, três meses e seis meses ou até a data de falecimento. Também todos receberam ou continuaram tratamento antineoplásico de radioterapia, quimioterapia ou uma combinação de ambas. Alguns pacientes, em particular aqueles com tumores hipervasculares, tais como carcinoma das células renais, da tiroide e mieloma múltiplo fizeram angioembolização da lesão tumoral do úmero antes do encavilhamento. A data de falecimento dos pacientes, quando não disponível o registo de óbito, foi considerada como a data da primeira consulta ou do primeiro tratamento agendado aos quais o paciente faltou, sem remarcação ou novo comparecimento. Não foi possível recuperar todos os dados para todos os pacientes, o total dos casos sem essa informação foi sempre inferior a 20%. Nessas situações os dados ausentes foram substituídos pelos valores médios dos restantes. Para o cálculo do tempo médio de intervenção cirúrgica correspondente ao encavilhamento, foram excluídos os oito pacientes (9,76%) cuja cirurgia de encavilhamento foi efetuada no mesmo tempo operatório de outras intervenções cirúrgicas. Os dados foram tratados estatisticamente com recurso ao programa SPSSv23. Os valores são apresentados em número absoluto (n) e percentagens (%), são preferidos como medida de tendência central a média e como medida de dispersão o desvio-padrão (valor mínimo-valor máximo). As curvas de sobrevivência foram calculadas com o método de Kaplan-Meier. Todos os pacientes ou as famílias assinaram o termo de consentimento livre esclarecido e o presente estudo foi aprovado pela nossa instituição.


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Resultados

Apresentamos uma amostra com 82 pacientes submetidos a 86 fixações do úmero com cavilha intramedular em contexto de fratura patológica consumada ([Fig. 1]) ou iminente ([Fig. 2]) por lesão tumoral. A idade média dos pacientes no momento de diagnóstico da fratura foi de 64,77 ± 13,78 (30-90). O diagnóstico no grupo dos homens foi feito com média de 61,96 anos, isto é, aproximadamente quatro anos mais cedo do que no grupo das mulheres, no qual a média foi de 66,23 anos. Aproximadamente 70% dos pacientes (n = 59) encontravam-se na sétima e oitava décadas de vida quando do diagnóstico de fratura patológica do úmero. A maioria dos pacientes era do sexo feminino (69,51%, n = 57) e aproximadamente 90% das fraturas eram consumadas, restavam apenas oito fraturas iminentes que foram fixadas. A maioria das fraturas ocorreu à direita (48,84%, n = 42) e quatro pacientes apresentavam fraturas bilaterais, três deles em simultâneo e um deles em tempos diferentes, o que equivale a 86 fraturas operadas em 82 pacientes. A distribuição regional das lesões tumorais ao longo dos três terços da diáfise do úmero foi de forma decrescente ([Fig. 3]): diáfise média (44,19%, n = 38), diáfise proximal (36,05%, n = 31) e diáfise distal (19,77%, n = 17). Doze pacientes da amostra (14.63%) tinham história prévia de fraturas patológicas em outros locais anatómicos, oito na coluna vertebral dorso-lombar e quatro no fémur. Os tumores primários localizaram-se predominantemente nas seguintes áreas anatómicas por ordem decrescente ([Fig. 4]): mama (30,49%, n = 25), sangue (26,83%, n = 22), pulmão (10,98%, n = 9), rim (8,54%, n = 7), próstata (4,88%, n = 4), tiroide (3,66%, n = 3), laringe (2,44%, n = 2) e encéfalo (2,44%, n = 2). O mieloma múltiplo é considerado nesta análise como tumor primário do sangue (hematopoiético). Em dois pacientes o tumor primário permaneceu oculto. As doenças tumorais que mais frequentemente provocaram as fraturas patológicas foram a doença metastática óssea e o mieloma múltiplo. Os tumores primários mais prevalentes foram o carcinoma da mama (30,49%, n = 25), mieloma múltiplo (24,39%, n = 20), adenocarcinoma do pulmão (8,54%, n = 7) e o carcinoma das células renais (6,10%, n = 5). O tumor primário mais frequente nas mulheres foi o carcinoma da mama (presente em 43,86% das mulheres) e nos homens o mieloma múltiplo (presente em 36% dos homens).

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Fig. 1 Fratura patológica consumada da diáfise média do úmero e fixação com cavilha.
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Fig. 2 Fratura patológica iminente da diáfise média do úmero e fixação com cavilha.
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Fig. 3 Distribuição regional das lesões tumorais diafisárias do úmero.
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Fig. 4 Localização anatómica dos tumores primários. Nota: O mieloma múltiplo foi considerado como tumor primário do sangue (hematopoiético).

Na maioria dos pacientes (86,59%) a fratura do úmero ocorreu com uma neoplasia base já diagnosticada previamente. No entanto, em 11 casos o diagnóstico oncológico foi apenas efetuado após a fratura patológica, assumiu-se essa como primeira manifestação da doença oncológica e motivou a pesquisa etiológica. O tempo médio entre o diagnóstico da neoplasia primária e o aparecimento da fratura patológica do úmero foi de 37,58 ± 2,40 meses. O tempo médio da intervenção cirúrgica de fixação com cavilha foi de 90,16 ± 42,98 minutos (40-135) e o tempo de internamento médio de 8,23 ± 5,27 dias (2-33). A maioria das fixações com cavilha ocorreu por via anterógrada (68,60%, n = 59), as restantes foram efetuadas por via retrógrada (31,40%, n = 27). As dimensões das cavilhas usadas foram individualizadas caso a caso, levaram-se em conta as características anatómicas do úmero de cada paciente. Os diâmetros da cavilha mais frequentemente usados foram o 6,7 mm (66,28%, n = 57) e o 7,5 mm (16,28%, n = 14) e o comprimento mais aplicado foi o 250 mm (19,77%, n = 17, intervalo 205-360). Foram mais frequentemente usados três parafusos de bloqueio (em 86,05%, n = 74), nos restantes casos a cavilha foi bloqueada com quatro parafusos, dois proximais e dois distais.

Em termos clínico-funcionais, todos os pacientes referiram melhoria das queixas álgicas no nível do braço e verificou-se um aumento do score MSTS médio de 26% para 72,6% na avaliação efetuada nos pacientes ainda vivos aos três meses de pós-operatório. Com a inclusão apenas dos 57 pacientes com fraturas consumadas que viveram um tempo igual ou superior a três meses após o encavilhamento, verificou-se uma taxa de consolidação radiográfica da fratura de 77,19% dos úmeros operados.

O tempo médio de sobrevivência após a cirurgia foi de 309,29 ± 33,71 dias e a mediana de 196 dias, com o maior número de mortes a ocorrer durante o 1∘ ano de pós-operatório. A taxa de sobrevivência aos 90 dias (três meses) após a cirurgia foi de 69,50%, 56,10% aos 180 dias (seis meses), 26,70% aos 365 dias (um ano) e 11,90% aos 730 dias (dois anos). Não ocorreram mortes no pós-operatório imediato, mas cinco pacientes (6,10%) faleceram durante o primeiro mês após a cirurgia. A análise de sobrevivência da amostra está ilustrada na [Fig. 5] através da curva de Kaplan-Meyer. Nenhuma das mortes decorreu da cirurgia ou de complicações associadas a ela.

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Fig. 5 Curva de Kaplan-Meyer a demonstrar a taxa de sobrevivência acumulada da amostra no tempo após encavilhamento do úmero em dias.

Apenas se registaram quatro complicações relacionadas com a cirurgia, uma precoce intraoperatória e três tardias, corresponderam a um risco total de 4,65% de complicações para esse procedimento cirúrgico. As complicações foram: uma fratura iatrogénica do úmero distal numa via retrógrada, com necessidade de redução aberta e fixação com placa, parafusos e cerclagem; uma migração proximal da cavilha por perda da fixação dos parafusos proximais por crescimento da lesão tumoral, com necessidade de extração da cavilha e parafusos; um pullout de um dos dois parafusos de bloqueio proximal, com necessidade de extração isolada desse parafuso; e um síndrome de conflito subacromial por cavilha procidente, essas últimas três foram efetuadas por via anterógrada. Quando da extração da cavilha que migrou proximalmente constatou-se intraoperatoriamente que a fratura se encontrava consolidada. Não se verificaram quaisquer casos de lesão neurovascular, embolias, infeção, ossificação heterotópica, refratura ou outras. Não foi identificada qualquer diferença significativa no score funcional MSTS, no tempo de sobrevivência pós-cirurgia e na ocorrência de complicações de acordo com a idade, género, tipo de fratura consumada ou iminente e sua distribuição na diáfise umeral, tipo de tumor primário, via de encavilhamento, dimensões da cavilha e número de parafusos de bloqueio usados.


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Discussão

Apesar de o tempo de vida expectável ter aumentado nas últimas décadas, a maioria dos pacientes que sofrem uma fratura patológica do úmero secundária a doença tumoral disseminada tem um tempo estimado de sobrevivência curto, de aproximadamente um ano, tal como demonstra o estudo atual, em que o tempo médio de sobrevivência após a cirurgia foi de 309,29 ± 33,71 dias e a mediana de 196 dias. Como tal, nesses casos é imperativo que o tratamento escolhido tenha como prioridade o controlo imediato da dor e a restituição precoce da função, para minimizar a morbilidade associada e proporcionar uma melhor qualidade de vida em pacientes cujo estado geral se encontra comprometido.[1] [2] [4] [5] [6] [8] [9] [10] [11] [12] [20] [21] [22] Atualmente a abordagem gold-standard para fraturas patológicas da diáfise do úmero é a fixação com cavilha intramedular rígida e bloqueada proximal e distalmente de forma estática.[1] [3] [4] [5] [6] [7] [10] [13] [14] [15] Tanto quanto sabemos, este estudo é aquele com a amostra de maior dimensão em termos de tratamento de fraturas patológicas diafisárias do úmero com cavilha intramedular rígida na literatura em linguagem anglo-saxónica. Tal como se verifica nesta série, cujos resultados são confirmados por estudos semelhantes, as cavilhas rígidas e bloqueadas estaticamente são um implante seguro e biomecanicamente eficaz (permitem fixação estável contra forças de angulação, rotação, distração e compressão) para a estabilização do úmero no contexto de fraturas patológicas diafisárias, permitem numa intervenção pouco demorada e num internamento hospitalar curto garantir a fixação do braço e consequentemente controlar a dor e restaurar a sua função, permitem mobilização imediata do membro e uma melhor qualidade de vida. Além disso, a cavilha permite fazer um bypass à lesão tumoral diafisária e assim obter uma fixação estável do implante em osso saudável proximal e distal, o que diminui o risco de falência de fixação. Garante também proteção profilática de um longo segmento do úmero contra novas fraturas e assim consequentemente contra nova cirurgia por eventual progressão da doença ou nova metástase. Ao tratar-se de uma técnica de redução fechada (sem abertura do foco de fratura), o encavilhamento permite também menor perda sanguínea, uma cicatrização mais rápida e menor risco de infeções, bem como a possibilidade de efetuar radioterapia adjuvante imediatamente após a cirurgia sem risco relevante de essa afetar a cicatrização, diminui assim o risco de progressão da doença tumoral e de consequentes sintomas e/ou falência da fixação, com necessidade de revisão cirúrgica.[1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [13] [14] [15] [16] [17] [23] [24] Apesar de frequentemente esses pacientes estarem mais preocupados com o alívio álgico da fratura patológica do que com a função do membro, consideramos que a melhoria funcional obtida do score MSTS médio de 26% para 72,6% é bastante satisfatória. Apesar do previamente referido reduzido potencial de consolidação das fraturas patológicas, provavelmente a fixação estável proporcionada pela cavilha combinada com as terapêuticas antineoplásicas de radioterapia e quimioterapia permitiu que os índices de consolidação nesta amostra (avaliados apenas nos que sobreviveram mais de três meses após a cirurgia) fossem bastante satisfatórios (77,19%), à semelhança do que verificaram Pretell et al[1] (taxa de 80%) e Atesok et al[9] (taxa de 88%) e que a incidência de complicações por falência da fixação se limitasse a um caso.[1] [2] [9] [11]

Na nossa série apenas se verificaram quatro complicações e apenas uma delas intraoperatória de fratura iatrogénica do úmero quando da introdução da cavilha, a larga maioria da amostra obteve uma fixação estável do úmero durante todo o tempo de vida restante. Apesar de alguns estudos referirem níveis importantes de complicações com o encavilhamento de fraturas patológicas do úmero, em particular lesões nervosas quando da colocação dos parafusos de bloqueio, fraturas iatrogénicas quando da introdução da cavilha e falência da fixação dos parafusos de bloqueio, a maioria dos trabalhos está de acordo com o que verificámos na nossa amostra e refere também uma incidência de complicações cirúrgicas mínima.[1] [2] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [13] [14] [25] A via anterógrada tem sido mais associada a omalgias e rigidez do ombro por lesão iatrogénica da coifa dos rotadores e a via retrógrada mais associada a fraturas iatrogénicas do úmero quando da introdução da cavilha.[1] [2] [10] [13] Apesar disso, neste estudo verificámos apenas uma de cada dessas complicações, o que atribuímos à técnica de encavilhamento usada e à experiência da equipa cirúrgica, consideramos que a maior parte das complicações operatórias relatadas na literatura pode diminuir claramente se a técnica de encavilhamento for a correta. A reduzida taxa de problemas no ombro devido ao ponto de entrada da cavilha anterógrada na nossa amostra poderá ser explicada pelas incisões únicas com lâmina fria do deltoide e coifa e seu encerramento adequado à proteção da coifa e deltoide quando da entrada da cavilha e ainda ao cuidado em não deixar a cavilha procidente. No entanto, devemos considerar que provavelmente também as menores expetativas funcionais e a maior tolerância álgica dos pacientes oncológicos terminais poderão ter algum impacto na reduzida prevalência de omalgias após encavilhamentos anterógrados do úmero.[9] Consideramos ainda relevante a escolha adequada do diâmetro da cavilha tanto para prevenir fraturas iatrogénicas intraoperatórias como para aumentar a estabilidade da osteossíntese, é importante preencher a maior parte da cavidade medular do úmero de modo a diminuir a probabilidade de falências de fixação por instabilidade. Por sua vez, consideramos também que a ausência de embolias pulmonares na amostra justifica a manutenção do encavilhamento não fresado nos pacientes oncológicos com risco acrescido dessa complicação.[2] [26] As limitações deste estudo incluem a sua natureza retrospetiva, a ausência de dados de alguns pacientes e a perda de alguns pacientes no seguimento consequente à reduzida expetativa de vida na doença oncológica disseminada.


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Conclusão

O encavilhamento intramedular não fresado estático bloqueado (anterógrado ou retrógrado) é um método de tratamento que preenche os requisitos adequados face a um paciente com curta expetativa de vida e com uma fratura patológica tumoral sintomática do úmero, na medida em que se trata de um método rápido, eficaz, seguro, com baixa morbilidade e que garante uma fixação estável e imediata do úmero, com consequente alívio das queixas álgicas, melhoria da funcionalidade e da qualidade de vida.


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Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

* Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal. Publicado originalmente por Elsevier Ltda.


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Diogo Lino Moura
Serviço de Ortopedia e Traumatologia
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra
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Fig. 1 Fratura patológica consumada da diáfise média do úmero e fixação com cavilha.
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Fig. 2 Fratura patológica iminente da diáfise média do úmero e fixação com cavilha.
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Fig. 3 Distribuição regional das lesões tumorais diafisárias do úmero.
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Fig. 4 Localização anatómica dos tumores primários. Nota: O mieloma múltiplo foi considerado como tumor primário do sangue (hematopoiético).
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Fig. 5 Curva de Kaplan-Meyer a demonstrar a taxa de sobrevivência acumulada da amostra no tempo após encavilhamento do úmero em dias.
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Fig. 1 Complete pathological fracture of the medial humeral shaft and nail fixation.
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Fig. 2 Impending pathological fracture of the medial humeral shaft and nail fixation.
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Fig. 3 Regional distribution of humeral shaft tumor lesions.
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Fig. 4 Anatomical location of primary tumors. Note: Multiple myeloma was considered a primary blood (hematopoietic) tumor.
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Fig. 5 Kaplan-Meyer curve showing the accumulated survival rates, in days, of the sample after humeral nailing.