CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2019; 54(05): 609-616
DOI: 10.1016/j.rbo.2017.09.018
Relato de Caso | Case Report
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revnter Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Cisto Ósseo Aneurismático de Patela: Relato de Caso[*]

Artikel in mehreren Sprachen: português | English
Alberto Ramos Gomes
1   Hospital Santo Antônio, Blumenau, SC, Brasil
,
Felipe Neves Campos
1   Hospital Santo Antônio, Blumenau, SC, Brasil
,
Nadiane Maciel Becker
1   Hospital Santo Antônio, Blumenau, SC, Brasil
,
1   Hospital Santo Antônio, Blumenau, SC, Brasil
› Institutsangaben
Weitere Informationen

Endereço para correspondência

Jan Gabriel Tamanini, MD
Hospital Santo Antônio
Blumenau, SC, 89015-200
Brasil   

Publikationsverlauf

26. Juli 2017

05. Dezember 2017

Publikationsdatum:
29. Oktober 2019 (online)

 

Resumo

Os tumores patelares são uma condição rara. Comumente benignos, o tumor de células gigantes e o condroblastoma são os tipos mais frequentes. O tipo menos comum entre os tumores patelares é o cisto ósseo aneurismático, que corresponde a menos de 1% dos casos. Os autores relatam o caso de um paciente do sexo masculino, de 23 anos, com dor e aumento do volume da patela esquerda havia 2 anos. A radiologia sugeriu causas tumorais, e a biópsia foi negativa para neoplasia. A abordagem terapêutica escolhida foi uma patelectomia total, feita sem intercorrências. O acompanhamento com imagens não mostrou recorrência.


#

Introdução

O cisto ósseo aneurismático (COA) foi descrito pela primeira vez em 1942 por Jaffe e em 1960 por Lichtenstein, e, posteriormente tornou-se também conhecido como doença de Jaffe-Lichtenstein (Mankin et al).[1]

É uma lesão não neoplásica expansiva dos ossos. Apresenta canais e cavidades septadas, em geral de conteúdo hemático e tecido trabecular ósseo. Pode ser uma patologia primária, rara, ou secundária a uma lesão preexistente.[2]

A incidência do COA é de 0,14 casos para cada 100 mil pessoas no mundo, e é mais comum nas três primeiras décadas de vida. Os locais de maior ocorrência são o fêmur, a tíbia e o úmero, em especial nas metáfises proximais. As lesões causam afilamento da cortical, com pouca formação óssea, e traduzem-se em radiografias com imagens insuflativas.[3]

Menos de 1% dos casos de COA ocorrem na patela, o que corresponde a uma incidência de 5% dos tumores patelares no mundo. Dessa forma, os tumores mais comuns da patela, o tumor de células gigantes e o condroblastoma, são importantes diagnósticos diferenciais.[4] [5]

O objetivo do tratamento é a remoção da lesão, e a ressecção marginal com vistas a diminuir a taxa de recidiva é importante. Caso não seja identificada outra lesão coexistente, pode-se fazer curetagem local, com preenchimento lacunar com o uso de enxerto ósseo. Em locais como a fíbula e as costelas, o osso pode ser simplesmente ressecado. Tratamentos adjuvantes incluem embolização seletiva, e infiltração com corticoide e calcitonina.[6] [7]

O objetivo do presente artigo é relatar o caso de um paciente com COA de patela submetido a patelectomia e reconstrução com enxerto dos flexores (semitendíneo e semimembranoso).


#

Relato do Caso

Paciente do sexo masculino, de 23 anos, relatou que nos últimos dois anos apresentava aumento progressivo da patela esquerda, associado a dor e dificuldade para flexionar o joelho. Informou que havia dois anos fora submetido a cirurgia para tratamento de fratura na patela em questão ([Fig. 1]).

Zoom Image
Fig. 1 Imagem anteroposterior e de perfil da perna e do joelho para demonstrar o tumor patelar.

A radiografia mostrou lesão insuflativa na patela, multiloculada (formato de favo de mel), com dimensões de 12,3 cm de diâmetro longitudinal e 11,5 cm de diâmetro transversal, com presença de material de síntese (dois fios de Kirchner e uma cerclagem circunferencial na patela) ([Fig. 2]).

Zoom Image
Fig. 2 Radiografias anteroposterior e de perfil de patela com presença de material de síntese prévio. Na parte inferior, duas lâminas do exame anatomopatológico, com presença de células gigantes osteoclásticas.

A tomografia computadorizada demonstrou lesão insufliativa da patela, corticais íntegras, e múltiplas cavidades septadas preenchidas por líquido ([Fig. 3]).

Zoom Image
Fig. 3 Tomografia de reconstrução do joelho. Na parte inferior, cortes axial e sagital da patela demonstram septações e acúmulo de líquido.

A biópsia foi negativa para causas neoplásicas.

O tratamento cirúrgico foi a ressecção ampla, por meio de patelectomia total, e foram feitas a reconstrução do mecanismo extensor com os tendões flexores (do grácil e do semitendíneo) por meio de túnel ósseo na tíbia e sutura no coto do tendão patelar após a sutura dos tendões patelar e quadriciptal. Posteriormente, fez-se imbricação da fáscia e dos retináculos lateral e medial.

O exame histopatológico (feito em 20 de maio de 2016) revelou um cisto ósseo aneurismático. A lesão tinha contornos irregulares, era multiloculada, e não ultrapassava os limites da patela. O tecido sinovial apresentava estrutura geral preservada, e havia focos de hemorragia e hemossiderófagos.

Fez-se o seguimento clínico do paciente, que após nove semanas apresentou cicatrização completa, ausência de queixas álgicas, e extensão e flexão ativas 0/110∘ do joelho operado ([Figs. 4] e [5]).

Zoom Image
Fig. 4 Imagem intraoperatória do tumor. Imagem inferior à esquerda dos tendões do grácil e do semitendíneo. Imagem inferior à direita com a reconstrução já feita.
Zoom Image
Fig. 5 Radiografia anteroposterior e de perfil do joelho após tratamento com presença de túnel ósseo para o enxerto. A imagem inferior mostra o paciente no pós-operatório.

#

Discussão

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o COA é uma lesão osteolítica expansiva que consiste em espaços cheios de sangue, de tamanhos variados, separados por septos de tecido conjuntivo, e contém trabéculas de tecido ósseo ou osteoide e células gigantes osteoclásticas.[8]

A patologia é mais comum no sexo feminino, e ocorre principalmente nas três primeiras décadas de vida.[8] Nosso paciente se encontrava na faixa etária de maior incidência, mas não era do sexo mais acometido.

A patogênese do COA é controversa, mas postula-se que a origem pode ser primária, quando não há lesão óssea prévia local; e secundária, quando surge após lesão óssea local, com substituição parcial ou total.[9] Nosso paciente teve uma fratura prévia local, e isso sugeriu uma causa secundária a trauma.

Os sintomas mais comuns são dor e edema, de início insipiente, mas com pioria gradual.[10] Neste caso, o aumento de partes moles, a dor e a incapacidade funcional foram os sintomas mais relevantes.

O diagnóstico é feito com a avaliação clínica, complementada por radiografias simples e tomografia computadorizada, bem como estudo histopatológico.[11]

A histopatologia do COA revela cavidades heterogêneas de tamanhos variados, cheias de conteúdo hemático, com disposição classicamente descrita como “favo de mel”.[12] Os septos são formados por tecido conjuntivo, por vezes compostos também de tecido trabecular ósseo.[13]

O estudo radiográfico do COA mostra lesão excêntrica ou central, radioluzente, expansiva, distendida, que costuma surgir na metáfise ou diáfise de ossos longos. Conforme a classificação de Campanacci et al,[14] o tumor patelar relatado em nosso trabalho é do tipo II.

A tomografia computadorizada pode detalhar as cavidades multisseptadas cheias de líquido,[15] exatamente como aconteceu em nosso caso.

Há basicamente dois tratamentos para o COA: ressecção marginal mediante curetagem e uso de neoadjuvantes como fenol e nitrogênio líquido, eletrocauterização e a ressecção ampla. Em ossos longos, em geral usa-se curetagem e fenol com aplicação de enxerto ósseo. Em ossos nos quais a ressecção total não é incapacitante, como as costelas, a ulna e a patela, pode-se aplicar essa técnica. O uso de radioterapia é contraindicado pelo risco de degeneração sarcomatosa.[16]

A recorrência do COA varia de 0% a 60%, aproxima-se de 0% nas ressecções totais, e aumenta conforme a curetagem não remove totalmente a lesão. Campanacci et al[14] observaram que 26% dos pacientes tratados com curetagem apresentaram recorrência, o que não aconteceu em pacientes submetidos a ressecção total.


#
#

Conflitos de Interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

* Trabalho desenvolvido no Hospital Santo Antônio, Blumenau, SC, Brasil. Publicado Originalmente por Elsevier Editora Ltda.


  • Referências

  • 1 Mankin HJ, Hornicek FJ, Ortiz-Cruz E, Villafuerte J, Gebhardt MC. Aneurysmal bone cyst: a review of 150 patients. J Clin Oncol 2005; 23 (27) 6756-6762 [Dataset]
  • 2 Vergel De Dios AM, Bond JR, Shives TC, McLeod RA, Unni KK. Aneurysmal bone cyst. A clinicopathologic study of 238 cases. Cancer 1992; 69 (12) 2921-2931 [Dataset]
  • 3 Meohas W, Lopes ANS, Möller JVS, Barbosa LD, Oliveira MBR. Cisto ósseo aneurismático parosteal. Rev Bras Ortop 2015; 50 (05) 601-606
  • 4 Mercuri M, Casadei R. Patellar tumors. Clin Orthop Relat Res 2001; (389) 35-46
  • 5 Reddy NS, Sathi VR. Primary aneurysmal bone cyst of patella. Indian J Orthop 2009; 43 (02) 216-217
  • 6 Song M, Zhang Z, Wu Y, Ma K, Lu M. Primary tumors of the patella. World J Surg Oncol 2015; 13: 163
  • 7 Kransdorf MJ, Sweet DE. Aneurysmal bone cyst: concept, controversy, clinical presentation, and imaging. AJR Am J Roentgenol 1995; 164 (03) 573-580
  • 8 Ramos MRF, Ramos RRM, Santos LAM. Cisto aneurismático distal de rádio: ressecção e transplante proximal de fíbula. Rev Bras Ortop 1998; 33: 577-579
  • 9 Schajowicz F. Neoplasias ósseas e lesões pseudotumorais. 2a. ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2000
  • 10 Otsuka T, Kobayashi M, Sekiya I. , et al. Treatment of an aneurysmal bone cyst of the second metatarsal using an endoscopic approach. J Foot Ankle Surg 2002; 41 (04) 238-242
  • 11 DiCaprio MR, Murphy MJ, Camp RL. Aneurysmal bone cyst of the spine with familial incidence. Spine 2000; 25 (12) 1589-1592
  • 12 Capanna R, Campanacci DA, Manfrini M. Unicameral and aneurysmal bone cysts. Orthop Clin North Am 1996; 27 (03) 605-614
  • 13 Vale BP, Alencar FJ, de Aguiar GB, de Almeida BR. Cisto ósseo aneurismático vertebral: estudo de três casos. Arq Neuropsiquiatr 2005; 63 (04) 1079-1083
  • 14 Campanacci M, Capanna R, Picci P. Unicameral and aneurysmal bone cysts. Clin Orthop Relat Res 1986; (204) 25-36
  • 15 Aita MA, Biselli B, Chiferi AC. , et al. Cisto ósseo aneurismático na patela. Arq Med ABC. 2006; 31 (01) 38-40
  • 16 Traoré A, Doukouré B, Sie Essoh JB, Mobiot C, Soumaro K. Primary aneurysmal bone cyst of the patella: a case report. Orthop Traumatol Surg Res 2011; 97 (02) 221-224

Endereço para correspondência

Jan Gabriel Tamanini, MD
Hospital Santo Antônio
Blumenau, SC, 89015-200
Brasil   

  • Referências

  • 1 Mankin HJ, Hornicek FJ, Ortiz-Cruz E, Villafuerte J, Gebhardt MC. Aneurysmal bone cyst: a review of 150 patients. J Clin Oncol 2005; 23 (27) 6756-6762 [Dataset]
  • 2 Vergel De Dios AM, Bond JR, Shives TC, McLeod RA, Unni KK. Aneurysmal bone cyst. A clinicopathologic study of 238 cases. Cancer 1992; 69 (12) 2921-2931 [Dataset]
  • 3 Meohas W, Lopes ANS, Möller JVS, Barbosa LD, Oliveira MBR. Cisto ósseo aneurismático parosteal. Rev Bras Ortop 2015; 50 (05) 601-606
  • 4 Mercuri M, Casadei R. Patellar tumors. Clin Orthop Relat Res 2001; (389) 35-46
  • 5 Reddy NS, Sathi VR. Primary aneurysmal bone cyst of patella. Indian J Orthop 2009; 43 (02) 216-217
  • 6 Song M, Zhang Z, Wu Y, Ma K, Lu M. Primary tumors of the patella. World J Surg Oncol 2015; 13: 163
  • 7 Kransdorf MJ, Sweet DE. Aneurysmal bone cyst: concept, controversy, clinical presentation, and imaging. AJR Am J Roentgenol 1995; 164 (03) 573-580
  • 8 Ramos MRF, Ramos RRM, Santos LAM. Cisto aneurismático distal de rádio: ressecção e transplante proximal de fíbula. Rev Bras Ortop 1998; 33: 577-579
  • 9 Schajowicz F. Neoplasias ósseas e lesões pseudotumorais. 2a. ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2000
  • 10 Otsuka T, Kobayashi M, Sekiya I. , et al. Treatment of an aneurysmal bone cyst of the second metatarsal using an endoscopic approach. J Foot Ankle Surg 2002; 41 (04) 238-242
  • 11 DiCaprio MR, Murphy MJ, Camp RL. Aneurysmal bone cyst of the spine with familial incidence. Spine 2000; 25 (12) 1589-1592
  • 12 Capanna R, Campanacci DA, Manfrini M. Unicameral and aneurysmal bone cysts. Orthop Clin North Am 1996; 27 (03) 605-614
  • 13 Vale BP, Alencar FJ, de Aguiar GB, de Almeida BR. Cisto ósseo aneurismático vertebral: estudo de três casos. Arq Neuropsiquiatr 2005; 63 (04) 1079-1083
  • 14 Campanacci M, Capanna R, Picci P. Unicameral and aneurysmal bone cysts. Clin Orthop Relat Res 1986; (204) 25-36
  • 15 Aita MA, Biselli B, Chiferi AC. , et al. Cisto ósseo aneurismático na patela. Arq Med ABC. 2006; 31 (01) 38-40
  • 16 Traoré A, Doukouré B, Sie Essoh JB, Mobiot C, Soumaro K. Primary aneurysmal bone cyst of the patella: a case report. Orthop Traumatol Surg Res 2011; 97 (02) 221-224

Zoom Image
Fig. 1 Imagem anteroposterior e de perfil da perna e do joelho para demonstrar o tumor patelar.
Zoom Image
Fig. 2 Radiografias anteroposterior e de perfil de patela com presença de material de síntese prévio. Na parte inferior, duas lâminas do exame anatomopatológico, com presença de células gigantes osteoclásticas.
Zoom Image
Fig. 3 Tomografia de reconstrução do joelho. Na parte inferior, cortes axial e sagital da patela demonstram septações e acúmulo de líquido.
Zoom Image
Fig. 4 Imagem intraoperatória do tumor. Imagem inferior à esquerda dos tendões do grácil e do semitendíneo. Imagem inferior à direita com a reconstrução já feita.
Zoom Image
Fig. 5 Radiografia anteroposterior e de perfil do joelho após tratamento com presença de túnel ósseo para o enxerto. A imagem inferior mostra o paciente no pós-operatório.
Zoom Image
Fig. 1 Anteroposterior and lateral images of the leg and knee to demonstrate the patellar tumor.
Zoom Image
Fig. 2 Anteroposterior and lateral images of the patella showing the previously placed synthetic material. Below, two anatomopathological slides show the presence of osteoclastic giant cells.
Zoom Image
Fig. 3 Computed tomography of the knee reconstruction. Below, axial and sagittal sections of the patella reveal septations and fluid accumulation.
Zoom Image
Fig. 4 Intraoperative image of the tumor. The inferior left image shows the gracilis and semitendinous tendons. The inferior right image shows the final reconstruction.
Zoom Image
Fig. 5 Anteroposterior and lateral images of the knee after the treatment, with a bone tunnel for grafting. Below, the patient at the postoperative period.