Palavras-chave
reação tecidual adversa - pseudotumor - artroplastia total do quadril
Introdução
A busca por próteses articulares mais duráveis motivou a reintrodução do par tribológico metal-metal e posteriormente das cabeças de grande diâmetro. Em 2007, representaram 35% das artroplastias totais do quadril (ATQ) nos Estados Unidos da América.[1] Estima-se que mais de um milhão de implantes metal-metal foram vendidos no mundo e alguns milhares no Brasil. Às cabeças maiores se associou a modularidade dos implantes, favorecendo a tribocorrosão e reações teciduais adversas provocadas pelos debris metálicos produzidos nas múltiplas interfaces. Essas reações são mediadas por linfócitos e formam pseudotumores em alguns indivíduos.[2]
[3] Trata-se de uma complicação grave, cujo reconhecimento precoce é essencial para uma resolução adequada. Os autores relatam caso de ATQ metal-metal com cabeça de grande diâmetro que evoluiu com formação de pseudotumor inflamatório.
Relato do Caso
Indivíduo masculino, ex-atleta, 60 anos, coxartrose primária Tonnis III submetido à ATQ não cimentada com par tribológico metal-metal, cabeça de 50 mm e haste femoral com colo intercambiável. Evolução normal por 5 anos até aparecimento de dor inguinal, claudicação súbita e tumefação na região trocantérica. Ausência de flogismo, amplitude de movimentos preservada. Radiografias com implante normoposicionado, inclinação da cúpula 40∘, sem linhas de demarcação e/ou osteólise ([Fig. 1]). PCR normal, VHS 35/45, Cr = 2,1 / Co = 4,1 µg/L. Punção articular com líquido de coloração café-com-leite e culturas estéreis. Ressonância magnética com supressão de artefato metálico mostrou volumosa massa em partes moles que envolvia a região peritrocantérica e comunicava-se com a cápsula articular ([Fig. 2]). Foi submetido a revisão da ATQ pela via lateral com ressecção da massa tumoral que envolvia parte do mecanismo abdutor e cápsula articular ([Fig. 3]). O componente acetabular fixo e sem sinais de desgaste foi removido e substituído por outro implante com inserto de polietileno reticulado e cabeça cerâmica de 32 mm ([Fig. 4]). O colo intercambiável e suas conexões mostravam sinais da tribocorrosão e foi substituído ([Fig. 5]). No seguimento aos 12 meses pós-revisão, o indivíduo encontrava-se assintomático e com parâmetros clínicos, radiológicos e laboratoriais normais.
Fig. 1 Pré-op, cinco anos de evolução.
Fig. 2 RNM T2, notar a massa do pseudotumor.
Fig. 3 Extensa massa de tecidos ressecados.
Fig. 4 Revisão à direita – PO, 12 meses.
Fig. 5 Sinais típicos da tribocorrosão.
Discussão
O pseudotumor é descrito como uma massa semissólida ou cística, em tecidos moles periprotéticos com diâmetro acima de 2 cm, que não possa ser atribuída a infecção, doença maligna, bursas ou tecido cicatricial.[4]
A ocorrência de pseudotumores e reações adversas aos debris metálicos em ATQ tem uma incidência elevada no par tribológico metal-metal se associado a cabeças de grande diâmetro e colo intercambiável. O fenômeno da tribocorrotecidual é reconhecido em todos os tipos de implantes e pares tribológicos.[5]
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As reações teciduais adversas são supostamente resultantes da incapacidade do organismo de eliminar as micropartículas de metal oriundas das superfícies articulares e junções protéticas e/ou de alergia aos metais. A presença de cromo-cobalto é elemento essencial. Cúpulas com ângulo de abdução acima de 50∘ em ATQs metal-metal estão mais propensas a reações adversas.[8]
O torque friccional e o micromovimento nas conexões modulares produzem um quantitativo adicional de debris metálicos causado pelo dano na camada superficial do cone, o qual se soma às partículas produzidas na superfície articular.[9] O valor diagnóstico do aumento de níveis séricos de íons de cromo e cobalto é controverso. O quadro clínico e a ressonância magnética com supressão de artefato metálico são considerados a base do diagnóstico. O tratamento preconizado é a revisão da ATQ com a ressecção do tecido anômalo e a troca do implante, reduzindo-se ao máximo as interfaces metálicas.[10]
É mandatório o seguimento sistemático de indivíduos com ATQ metal-metal na busca do diagnóstico precoce de complicações, permitindo revisões antes que a destruição atinja grandes proporções e comprometa uma reconstrução. Qualquer implante com interfaces de conexão metálica pode desenvolver tribocorrosão, reações adversas teciduais e pseudotumores. Os pacientes com implantes metal-metal com cabeças maiores do que 32 mm compõem o grupo de maior risco.